04/03/2009

E do Espírito Santo



© Sandra Bernardo
Na roulotte de bifanas
Penela, 1 de Março de 2009


Souto, Casa, tarde de 4 de Março de 2009





Andar a tentar vender o passado todo em enciclopédias
é capaz de não ser o melhor dos futuros, mas sempre
alguma coisa fica para contar quando vem a
Feira do Espírito Santo, quando é preciso ter algo a que
se agarrar, contar é uma das formas de agarrar-se.

Passam os dias, ninguém leva o lixo.
O lixo dos dias acaba por se meter no corpo como
um bicho indespistável, todo o cuidado é tão pouco
como o nenhum que se teve, ele é
caixas de camisas sem camisas pelos vários chãos
deste céu, quando é Espírito Santo e quando não é,
ele é sacadas de cascas de amendoins, restos de
crustáceos minúsculos como entranhas de relógio,
fragmentos de louça de barro vermelho escritos
a amarelo, caricas de gasosa sucedânea da verdadeira,
às vezes uma pulseirinha de criança em ouro leve
até.

Se chove, o comércio sofre, as famílias que não vendem
olham para o exterior como cães varados de ultra-sons,
como gente sensível aos infra-vermelhos da não-venda.
Se faz sol, a esperança põe-se herbária, há quase folguedos
nas tendas de roupa, de cassetes, de sapatos, de transístores,
em quase todo o chão há céus, quando faz sol.
Os menos de nós povoam o desconcerto do resto
do mundo, aos frios balcões para um abafado,
um mil-folhas, um biscoito de azeite, uma
barriga-de-freira.
Os outros povoam, grassam, rondam, abordam e largam,
trouxeram e hão-de levar, pelo
Espírito Santo.

Nós se calhar não.

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Canzoada Assaltante