03/03/2009

Quantum

© Adriana Afonso
Prater, Viena de Áustria
10 e 13 da manhã de 1 de Novembro de 2006




Souto, Casa, manhã de 3 de Março de 2009

I

Quantos Amores de Ciana/O & Telmo/A



Três foram os amores de Ciana & Telmo,
o dela por ele, o dele por ela e o
que sem direcção nem norte nem sul
os traspassou de além homem & mulher.
Ciana & Telmo e Telma & Ciano,
menos e acolá e para aquém de mais
que dois, mais que um apenas mais
um:
um anjo caído
no domínio público.
Nenhuma época em particular foi deles,
a época privada alguma pertenceram,
Ciana & Telmo e Telma & Ciano,
não tem o amor segundo,
primeiro sim,
nem dia, semana, nem mês ou ano.
Pode ter – como teve – um par de horas
numa pensão barata dada a ratos húmidos
e a terrinas de sopa bolorosa no rés-de-pasto,
horas como dois frutos de vidro ampolando
as frias febras brancas de mais
que dois corpos, mais que um apenas mais
um corpo:
dois anjos caídos
no domínio púbico.
Muitas árvores tinham ficado de antes tantos amores
como o dela e o dele por ele e por ela e como o
que sem direcção nem norte nem sul
os traspassou de aquém árvore & vento.
Face a face ingeriram o milho & a batata
que da América vieram em barcos feitos
de aplainado bosque, cara a cara tomaram
rosto & rosto e mais
que dois, mais que um rosto apenas mais
um rosto,

três.



II

Quantas Humildes Maravilhas




De quantas humildes maravilhas
serei do novo dia servido,
não sei,
nem quantas servirei.

Estou pronto para caladamente purgar
o incenso turibular
que fumega e fumiga
a lateral nave da cantiga.

Dou-me muito a esta religião de estar vivo,
justapostas em desoração
as glândulas em órgãos de tubos
metabólicos.

Sirvo o meu deus colorido e vão
como de ex-feira um balão.
Cumpro o meu caído anjo,
inócuo diabo que atinjo
nesta que aquela avareza
de meio pão e nenhuma mesa.

Mas que ele tem, o novo dia, maravilhas,
tem.
Convido-te a mirá-las comigo também
no poema que aí vem.



III

Quantum



A torneira esquerda do lavatório que imita
do pólo da glande e do pedúnculo do figo a gota espermática;
a roseira que é uma colheita de sangue;
o alto jacto, de que o rasto branco é venoso no alto azul;
a casa, rosto de si mesma;
as harpas de alumínio na caixa aberta da carrinha do serralheiro;
a mãe quando, oral, telegrafa da ilha deserta em que se volveu;
a areia toda ansiedade de areia, toda de roseira, toda de sangue;
a inumerável vida dos escritores paginados;
as crianças que perfumam as ruas como alecrins de calções;
as borbulhas como cavilhas de acne
no madeiro facial dos adolescentes;
os cus das mulheres muito expressivos;
Jack London no catálogo da Livraria Civilização
(Rua Alberto Aires de Gouveia, 27 – Porto: Lux);
a caspa das especiarias nos frasquinhos ao ombro do armário;
a renda do meu cedro pespontada de teias de seda;
o homem muito doente que se despede à varanda
com um olhar igual a um lenço branco, a uma pomba centrífuga;
as pontas no cinzeiro como jóias de carvão num estojo de grés;
as minhas mãos iguais às dele;
e o poder fazer isto contra tudo:
contra que se acabe a manhã,
contra que se acabe até o acabar,
contra não mais nascer
de vez
desta vez,
indivisivelmente,
de
Ciana & Telmo e Telma & Ciano.

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Canzoada Assaltante