© Robert Mapplethorpe
Tulip
(1988)
Tulip
(1988)
Souto, Casa, tarde de 10 de Março de 2009
De ocidente um pano de pinheiros escurece a fresco o azul.
Um poste de alta-tensão faz de torre de menagem.
Há uma quietude solar que entorpece o coração.
Não há tristeza no semblante das árvores muito aquecidas.
Frutificam aves, as sombras muito puras da hora.
Ouço o ronronar dos camiões serventes do comércio & indústria.
O sangue da mão esquerda é de um pulsar arenoso.
Timbram bem os brilhos, os ruídos da porcelana aérea.
A roseira do vizinho, muito enxuta, pede uma esmola de água.
As unhas descascam-se sozinhas como peles de cobra.
Extirpa-se do tempo uma eternidade passageira.
Há um damasco por dentro das coisas do florilégio.
Todas as casas são ao mesmo tempo, como as coisas.
Dona Gervásia parte em a missão de testemunhar Jeová.
Leva consigo a perna quase-nada coxa e Jacinta,
que também nunca se casou nem casará.
Espreguiça-se Serafim, o assador de frangos.
Gosta de hermenêutica e gasta filatelia nas horas vagas.
É vaga esta mesma hora, a oriente do nosso quase-pensar.
Aproveita-se o momento, cuja doçura é de manta mole.
Ouço um piano eléctrico dentro da alma.
Recordadas gotas de água desenham frinchas de sótão.
Uma paz química enobrece a metafísica.
Eléctricos rios pianam tarde ao longo longe.
Corusca um par de fendidos olhos felinos.
Mulher que usa a boca como um álacre trapo de lacre.
Mexe-se um pouco um ramo de cedro.
A rola é toda luz, confere o poema e vai, passageira.
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