Souto, Casa, manhã de 25 de Março de 2009
Chamam artérias
às ruas da cidade como às pistas do sangue.
E pistas e ruas respondem rumorosamente ao chamamento.
As mães correm labirinticamente, chamadas pela seiva
das estações, as do ano como as dos comboios,
rodas que chiam nos eixos, frutos
das árvores como do tempo.
Vistas de fora com a cabeça dentro da cabeça,
as cidades,
como as veias,
pulsam mapas que não cuidam
nem perdição nem salvação.
Tudo é por fora dos outros filhos.
As ninhadas mamam pólen, ambrosia, pão de cacete,
litradas de café-com-leite, folhas amargas de figueira.
Rodam as pedras, reverberam as nuvens, transita
o aniversário incontável de todas as coisas,
data de datas distraídas na insuficiência do cérebro.
Ambulâncias guincham, guinam, pedras de giz
com um aluído corpo escrito dentro.
Pedem aos médicos que o leiam, ao corpo, como
a uma posologia arrancada à terra fervida de estrelas,
a um quintal onde evanesce o remanescente pessegueiro,
antes do que aí vem, o próximo.
Tantos miúdos nomes dão severidade à sociedade anónima
cuja responsabilidade não deixou jamais de ser limitada.
O jazz segue no papiar desencontrado dos vendedores,
é por dentro que se calcula o que o fim do dia pode trazer,
as artérias levam como o fim do dia leva, vale
o que o sangue leva a suas esquinas, suas curvas arteriais
na cidade do corpo, onde a sós se diz imprestáveis segredos,
rumores tão-só.
E o tempo todo o tempo é de anamnese íntima: viver.
Demora a resposta interrogativa do corpo ante a brisa
que é tão ave como árvore na rotação dos céus de azulejo
lavados a sabão e a chuva e a perguntas do viajante
parado em seu patamar arrendado à década, na artéria
crianças suportam já o futuro anterior dos estacionados,
das bancas de fruta, da ronda policial ao sol, queimada
a manhã a gás, fragrância de flagrantes hortaliças,
volta do talhante doméstico, rumor das mães preparatórias.
Onde entra a pergunta
Que acontece às coisas fechadas na caixa?
E a caixa ser a cabeça dentro da cabeça fechada
a si mesma vista de fora como um estudante
descendo escadarias e escadarias longe dos pais,
as coisas fechadas dentro do estudante que brincou
fora à vista da doméstica que pendurava camisas
e do talhante ambulante que não quis nunca
aquela vida,
esta.
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