Souto, Casa, tarde de 3 de Março de 2009
Ontem nevou para que eu visse como o mundo é um papel todo branco no chão, um papel escrito desde sempre e para sempre por escrever, eu vi, eu li, ontem, nevando.
Obtive fotografias (não era neve, era granizo, mas eu quis neve), aparei a água sólida com as ambas as mãos través uma espécie de fúria deliciada, estava sozinho à varanda colhendo o céu papeleiro, o céu extravagante, o céu fazedor de resmas sobre que assentar a vinda, a vida, a ida.
Pus-me a amar a notícia branca que correu com as gatas para dentro de casa: isto é, expus-me à torrefacção da neve, que saraiva era, que de granizo não passava, mas passou, posto que a quis neve – e neve foi.
Estava sozinho na perfeição álgida, um bebedor de cevada em chávena azul parando de beber para fotografar o meu papel
no mundo.
Hoje o sol entornou-se como um verniz pelas minhas pernas a baixo, como uma urina de ouro, como uma lambedela citrina onde o ácido úrico não medra ainda.
Isso, não fotografei, mas aproveitei. Longe de mim (a quinze metros), o mundo atira scanias, mercedes, mitsubishis, opéis, rovers, mulheres-da-erva. Não ligo. Assimilo o sol nas partes cavas, coço o pêlo das orelhas e espero que
Amanhã o mundo seja ainda um papel de que fruir uma leitura nova dos velhos recorrentes temas: enterrar os mortos, pressupor os vivos, descalendarizar as manhas venosas do coração – e roseirar a puro escarlate tanto branco e tanto
papel.
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