19/03/2009

Ao Ar de Duas Manhãs

Pombal, Ripa Café, manhã de 16,
e Café Esquina, 13hoo de 17 de Março de 2009




I

É uma manhã gloriosa – ou então, é só uma manhã de mercado semanal mais, não importa.
Sonhei que ouvia sem ver o raspar do aparo em papel de branca rugosidade de linho. Atrás, na estante escura, livros de egiptologia e de numismática, que não possuo. Também um volume espesso sobre a obra litográfica de Théo Ducassé, que não conheço. Às voltas com fragmentos disto até acordar numa espécie de limbo ou de nimbo.
Então a alba foi vindo, veio partir – e eu entendi a linha de azul-água que diluía a cerração da hora, aceitei sem regatear o carácter de feira franca do momento, devo ter sido feliz enquanto me enfiava nas calças, alheio aos paradoxos gentis e carburantes da ideia que desperta sem acordar, não ainda de todo.
Subi a mão ao armário da cozinha, resgatei uma chávena azul e preenchi-a de café feito de fresco. As bolachas absorveram a beberagem, calafetando o estômago de paz e reconquista, após o que fumei na varanda um cigarro olímpico. Já havia rolas no cedro, havia já pardais pirilampando de castanho a manhã e a glória.
Longe, subindo como uma dedada de lama, a serra bloqueava o horizonte a nascente. Acho que ainda bloqueia, mas de modo mais consistente, sem o fumo azulado que a luz vaporiza a tal hora.



II

O ar todo branco e amarelo, todo drapejado de bandeiras azuis e verdes, de escarlates reclamos que hão-de ser os rubis da noite. Acaba a manhã, começa o país a que chamamos tarde. Ressoa rítmica a asma benigna da orla do mar, ainda que só na imaginação acústica dos exilados ex-marinhos. Vem hoje lavada a água que o rio é, faz bem recebê-la ao alto da ponte, entre gente passageira como o que há e é.
De um pátio de infantário revoam vozitas em humana capoeira: agudas interjeições que atiram nomes de bibe, gritinhos de prazer e susto, crianças profissionais aprendendo a perda e o sal da vida.
À janela do consultório, o estomatólogo boceja. Tem uma cara viciada no néon de aproximação, a boca é muito branca, muito areada de novocaína, muito trincadora dos mamilos da recepcionista.
Estamos todos no ar.

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Canzoada Assaltante