Fonte Nova, manhã de 9 de Março de 2009
I
Do lado da manhã chegam as mulheres amarelas
de crianças loiras naturais pela mão branca.
Adquirem bolos e hábitos, alguns torpes, outros
claros como clarins, as faces vermelhas como galos.
Há quantos anos me sentei para esperá-las?
Há quantos anos me sentei para desesperá-las?
Estou sentado do lado onde o pão envelhece
– e sou feliz, um pouco trágico também, mas
agora menos.
II
Nada me custa ver daqui um comboio ligando árvores.
É do tempo dos êmbolos a vapor, nasci há muito mais
que apenas isto.
Estou sentado noutra idade talvez minha também,
ainda.
Porque não conheço pessoas, crio nomes.
Passo a manhã a criar nomes em cadernos cegos.
Mulher vestida de castanhos calcula o dia, as moedas.
Só tomou café, mas pensa frangos, marido, filhos.
Parece um pardal de óculos na cabeça,
um pardal imitador de apresentadoras de têvê.
Estou sentado do lado onde as águas aplaudem a terra.
Nada me custa receber o frio vegetal das sombras.
Sou o homem que se perdeu na serra, no futuro:
o homem cujos ossos ligam genealogias a fragas.
Nada ligar me custa.
III
Chego a um ponto de desembarque.
A gare é varrida pelo vento mais que pela mulher de bata.
Voz altifalada diz Lisboa, diz Vila Franca das Naves.
Por mim, diria Southampton, diria Marseille, mas não
diz.
Venho coleccionar pensões e mulheres amarelas e corredores pluviais.
Perto, o rio que me deu heptassílabos, um dia frio
que já lá vai.
A luz bate-me bem na cara, desaba-me o casaco,
empurra-me pela frente e pela fronte, isto é parecido
com a felicidade até doer.
Passo o Astória, o Joaquim de Aguiar, a Couraça, a Torre,
o Botânico, o Seminário, a de Moçambique,
o S. João Alto, a Serra do Senhor, chego ao Corvo.
O Corvo
diz Marseille,
diz Southampton.
IV
Sou a máquina de enviar rosas.
Flúem no desconhecido éter, enviadas.
Tenho um posto de recepção solar.
Nunca desisto de traficar cifras, mensagens, imagens,
rosas recebidas e enviadas,
chegadas e partidas.
Sem comentários:
Enviar um comentário