Souto, Casa, fim da tarde de 5 de Março de 2009
I
Era um homem que dizia vozes.
Não as imitava.
Outros vivos falavam, por ele.
Talvez alguns mortos, não tenho provas.
Espero que ele devolva a minha a quem de direito.
II
Antigamente, eu não precisava disto para nada.
Tinha bem mais que fazer.
As coisas existiam sem ser por capricho.
As pessoas não vinham cá por coisas.
Havia uma simplicidade no ar – tal, que o ar se podia cristal.
Hoje, bem, vidro de tostão.
Ele há coisas.
III
Guardo intacto tudo o que arredoriza o coração.
Pareço um almanaque.
No café, nunca desconfio dos trocos.
Tenho alguma culpa de rever o elefante onde foi o circo?
Nenhuma culpa e nenhuma inocência.
IV
O que mais gostaria de deixar, além das filhas?
Um papel em cada coisa.
Queres ver, assim:
Cedro – papel cedro
Amarelo – papel amarelo
Janela – papel janela
Vento – muitos papéis muitos tudo pelo ar celebrando
ter vivido
ter feito o meu papel.
V
Durante o escanhoar os vejo
frentatrás.
Tão antigos.
Tão quase vivos.
Tão atentos.
Tão quase mortos.
VI
Toda uma colecção de dizeres por todo o lado: as pessoas.
Ando por aqui à caça delas, sozinho em casa.
Abro o armário da roupa, descambam regionalismos das cruzetas.
Uma data de coisas no cesto da lenha:
aféreses, linces, proas, estiletes, esquadros, rositas secas, tranças.
facturas, sonetos, carteiras, algemas, unhas, rositas secas, tranças.
Devo ser um fulano riquíssimo:
faltei a quase tudo,
quase nada me falta.
Nem um elefante,
aquele ali.
1 comentário:
I live my life as text - Hue and Cry - coisa linda. Oh sim... não pares....
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