Café Paris, Viseu, tarde 24 de Abril de 2008
Escrevo-vos, Senhora, de um café de putas.
É um sítio sossegado, depende de nós e da hora, que muito nos desassossegamos uns à outra, nós à hora.
Nós à nora, também.
O mundo explode em silêncio no mesmo sítio, não há, Senhora, maneira de entender isto, um calhau no espaço, um calhau azul afinal minúsculo no espaço sem mensidão.
A esta hora, não há putas.
Há uma praça em frente, o Sol arde de sua normal febre, nenhum vento desaquieta o arvoredo disponível.
Escrevo-vos para nada, Senhora, como para nada escreve sempre quem escreve.
O tempo assa leitões humanos, sou um dos que rodam sobre brasas.
Tenho um vento de ínsuas dando em laranjeiras, tenho isso no coração, nasci de janelas abertas, o frio entra e toma senhorio.
Tenho uma língua que me usa, Senhora.
O Sol é a coisa mais alta que acontece.
É-me uma Borgonha olhar o Sol e senti-lo na armadura mole – o corpo.
Sou um corpo, não o tenho.
Ele disporá, Senhora, ele disporá.
De nossa mesma memória desataremos diásporas – e esporras – e esporas.
Tudo nos doerá até que a morte nos perdoe tanta insensatez, tanta língua.
Inquieto, não notícias dando, minha Senhora.
Os telefonemas nem sempre obrigam nem sempre abrigam.
É um custo altíssimo, viver.
E a morte fica-nos, Senhora, a dever.
2 comentários:
muito bom, daniel. que delícia de carta. belo início de semana! um beijo grato.
Belo texto, meu Amigo, belo texto!
Enviar um comentário