21/09/2020

VinteVinte - 56 (VII a IX)

 

VII

 

Arrebanham-se muitos a deus fáceis.

Muito poucos esperam ainda, na praia, Ulisses:

Argos é talvez o único que a verdade adentra.

De Dom Sebastião à Senhora de Fátima, resto-zero.

O desconcerto das nações é metabólico-basal-comum.

Quem pode, a recanto abrigado se recolhe & cala.

Séculos de escravidão trocados por uma eucaristia.

(Quem diz trocados, diz reiterados.)

Milénios de sujeição processionando velas à Boneca.

O próprio Idioma é metodicamente conspurcado.

Sumidades-luminárias doutrinam a ovelha-bípede.

E no entanto

 

VIII

 

Há inda’ quem respire livre qual rosa-ao-vento.

(O verso anterior não carece de deferimento notarial.)

Indicações preciosas abundam d’infinda uberdade

– pistas livrescas, veredas de pereiras-de-inverno,

molduras desempoeiradas sorrindo rostos atemporais,

Glória, senhora do quintal, em seu cadeirão de vime,

Feliciano, contente biciclista & pescador fluvial,

João Magno, nosso campeão fruticultor,

cartas daquele tempo em que ainda à mão s’escrevia,

sim, tal como voltar a casa & ser a gente nela a Casa.

 

IX

 

Mas agora isto:

 

Ser-me-ia pelo menos tao fácil enganar-Vos com imagens falsas quão iludir-vos com verdadeiras. Estas, a que o mundo chama reais (por a nossa Língua com/fundir realidade com realeza), não são menos enganosas. Se não erro, Camões é magno arquétipo desta acepção/asserção. Outros há – e não poucos. Pessoa, claro. O vocábulo sonho em contexto-Raul-Brandão. O axioma saudade em estrito & restrito âmbito-Teixeira-de-Pascoaes. A palavra palavra à-Ruy-Belo.

A galeria é imensa. Autor que vive para além da morte física, vive por tê-la – precisamente – enganado. Deu-lhe o corpo, mas ficou com o trunfo, digo, o triunfo da ilusão. Prestidigitou. Houdiniou.

Julgo não me enganar – não, ao menos, neste aspecto da Coisa.

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Canzoada Assaltante