53.
ALGUMA ARTE
EPISTOLAR
EM MONTRA PRÁTICA
Coimbra,
quinta-feira, 14 de Maio de 2020
I
Fábricas
em ruínas, detritos cinéreos, derruídos impérios.
Céus
baixos, opressivos, apoucando a nossa vida.
Não
é fácil conviver com tanta atenção.
Poemas,
fraudes, televisores, números, desarborizações.
Infanticídios,
tratados, nudismos, clãs, rumores.
Doença
da não-singeleza, moléstia da não-beleza.
Difícil:
evadir-se a atenção da malevolente fealdade.
Ubíquo,
o porco é vitorioso, mormente o humano.
Não
abro linhas-de-crédito a roedores-carreiristas.
Nem
a velhice acho que mereçam.
Rejeito
imagens que de apodrecida enxúndia manam.
Refiro-me
a merda – sem metáfora maior.
Falsos
heroísmos, esmolas públicas & publicitadas.
Não
espero o Verão nem dele o antónimo.
Não
subi as escadas pétreas, disse-lhes Não.
Dir-lhes-ei
Não até que feneça quem diga ou escute.
Antigamente,
numa saleta com lareira, houve música.
Livros
desciam das estantes altas: confirmavam o lume.
O
eu-corpo há muito desertou esse cárcere.
Era
cárcere, não havia lume nada, nem leitura, nem casa.
Estive
depois nas noites cartografadas a dedo.
Crer
não é poder. Poder é saber não-querer.
Músicos
filarmonizavam ao grande calor-d’Agosto.
Opas
escarlates escoltavam a padralhada gorda.
Pus-me
a saber mesclar essências.
Frequentei
mais funerais do que baptizados.
Derredor
a bola-orbe, a congelada co(s)micidade galáctica.
Feiras,
ciganadas, churrascadas, devotos-marianos.
Folclorismo
militante, curricular, néscio, democrático.
No
estaleiro-hipocrático? Uma alegria generalizada:
areflexias,
apneias, lavagens gástricas, flumazenilo-SOS,
velhotes
em perpétua sonolência, esse calado delírio.
(Escrevo-te
esta carta sem dinheiro para o sêlo.)
II
Já
se não fala só da pandemia viral. Já se atenta noutras insignificâncias. Tufão nas
Filipinas. Demolição de uma das centrais nucleares plantadas na Alemanha. Não querem,
parece, repetir Chernobyl e/ou Fukushima. Um pai muito envelhecido recebe a
visita da filha. Fedor fétido: financiamento público da banca privada. Crianças
amestradas pelo consumismo. Estentóreas fiscalizações. Ubiquidade-paradivina do
senhor Presidente da República. Bonacheirismo-porreiraço do senhor
Primeiro-Ministro. Grave encanecimento do senhor Ministro das Finanças, talvez
por sobreposição da presidência do EuroGrupo, entidade que desconheço com
valentia. Tudo brincadeira, tudo por brincadeira – diz a Morte. E diz bem, como
sempre.
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