06/09/2020

VinteVinte - 45 (inteiro)



45.

 

INTUITO DA CLARIDADE

 

Coimbra, quarta-feira, 6 de Maio de 2020

 

 

 

I

 

Adormeci tarde, acordei cedo, estou pronto. Passo o corpo pela chuva domesticada, delicia-me o sabão, este sabão português que cheira a primeira & derradeira Mãe. Café novo em folha consola a mortalidade, benfazeja infusão cujo grão compro directamente ao produtor, uma senhora do Norte chamada Karen Blixen que há muitos anos tem plantação, torrefacção & moagem aqui no Quénia Coimbrão. O dia dá-se, parece, Alice Dulce, doce almece a luz que trouxe.

 

II

 

Por a meia-tarde, saí um pouco. Era meu intuito adquirir um objecto. Não havia na loja. Voltei para casa. Quási estranhei o mundo exterior. O par de palavras em voga é: confinamento / desconfinamento. Retornei aos meus papéis & ao meu Gato sem esforço nem pressa. Deixei-me ir, voltei sem história. O mundo – julgo eu talvez sem grande desacerto – faz o mesmo.

 

III

 

Estabelecida a noite, repousei um pouco do papel impresso. Liguei a máquina-das-imagens. Vi a reencarnação de uma cidade sórdida. Ano a que se reportava a encenação: 1896 d.C. É produção de qualidade. Andou ali muita pesquisa, muito engenho. É gratificante (sempre) usufruir de trabalho bem feito, seja de/em que área for. Uma boa parte do serão, portanto, bem aproveitada. Voltei depois aos papéis até se me fatigarem as oftálmicas. Desliguei a luz, escrevo isto no escuro – enquanto penso, talvez sem grande desacerto – que outra coisa não tenho feito na & da vida: escrever no escuro em prol de uma claridade, por mais improvável esta.


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Canzoada Assaltante