45.
INTUITO DA CLARIDADE
Coimbra, quarta-feira, 6 de Maio de 2020
I
Adormeci tarde, acordei cedo, estou pronto. Passo o
corpo pela chuva domesticada, delicia-me o sabão, este sabão português que cheira
a primeira & derradeira Mãe. Café novo em folha consola a mortalidade,
benfazeja infusão cujo grão compro directamente ao produtor, uma senhora do
Norte chamada Karen Blixen que há muitos anos tem plantação, torrefacção &
moagem aqui no Quénia Coimbrão. O dia dá-se, parece, Alice Dulce, doce almece a
luz que trouxe.
II
Por a meia-tarde, saí um pouco. Era meu intuito
adquirir um objecto. Não havia na loja. Voltei para casa. Quási estranhei o
mundo exterior. O par de palavras em voga é: confinamento / desconfinamento.
Retornei aos meus papéis & ao meu Gato sem esforço nem pressa. Deixei-me
ir, voltei sem história. O mundo – julgo eu talvez sem grande desacerto – faz o
mesmo.
III
Estabelecida a noite, repousei um pouco do papel
impresso. Liguei a máquina-das-imagens. Vi a reencarnação de uma cidade sórdida.
Ano a que se reportava a encenação: 1896 d.C. É produção de qualidade. Andou ali
muita pesquisa, muito engenho. É gratificante (sempre) usufruir de trabalho bem
feito, seja de/em que área for. Uma boa parte do serão, portanto, bem
aproveitada. Voltei depois aos papéis até se me fatigarem as oftálmicas. Desliguei
a luz, escrevo isto no escuro – enquanto penso, talvez sem grande desacerto –
que outra coisa não tenho feito na & da vida: escrever no escuro em prol de
uma claridade, por mais improvável esta.
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