57.
COMPAGIN’AFEIÇÃO
Coimbra, domingo, 17
de Maio de 2020
I
Tendo
vivido um passado afectivo, efectivo é que o quero presente na minha vida. Refaço
o que se rarefaz. A literatura é veicular nesse propósito. Penso estar a ser
claro neste ponto. À medida que, escrevendo mais & mais, aprendo de facto a
dizer deveras, o pretérito gemina-se ao futuro – não por artes &
manhas mágicas mas porque assim funciona o cérebro humano. Não é invenção, nem
verdade, nem mentira, nem ilusão – minhas. Ser humano implica corpo funcional:
e a mioleira gere como pode & sabe o aparato.
Disse
acima: afectivo. Disse bem. Afeição. Fui gerado, criado, mantido por ela,
com ela, em ela. Não é possível tirarem-me isso. Repassando-a ao presente –
sob, por exemplo, a forma de verso –, revivo-a em pura gratidão. Linha-pós-linha,
página-sobre-página, caderno-a-caderno, livro-por-livro, enciclopedia-se-me uma
sabença íntima, muito íntima – mas ainda compaginável, perdão, compartilhável.
Em
redacção, acedo a horas a que chamo minhas – em consciência porém de elas, por
ubíquas, escreverem outros mundos. Isto é desde & para sempre comigo –
enquanto for corpo. Porque extra-corpo não há pessoa. De Deus, já falámos, que
diabo!
II
E
então outras horas se esfumaram,
luz
que foram à sombra de si mesmas.
A noite nova inova de si a translação,
a mecânica do idioma articula-a ’inda.
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