(XIV)
(O
corpo só uma vez.
A
vida a uma só voz.
Não
dá p’ra tentar outra vez.
Todos
& cada um de nós.)
(XV)
(Um
destes dias vou ter de ir à rua. Não sei como reagirei à quotidiana dinâmica
desse labirinto simples. Maio vai a 2/3. Eu vou a mais que isso.)
XVI
Fomos
jantar a uma esplanada antefluvial de bons ares, talvez 1988 fosse o ano, não
consigo precisar, já não comunicamos há muito, Raquel, Venâncio, Clarinda &
eu. O carro de Raquel tinha leitor-de-cassettes com colunas potentes, curtimos
os Rainbow de que o vocalista era o grande & saudoso Ronnie James Dio, o On
Stage gravado ao vivo na Alemanha, onze anos antes talvez, 1988, 1977, já não
sei, já não hei-de saber.
Raquel
separou-se de Venâncio & morreu uns (poucos) anos depois por Lisboa em casa
da irmã, qualquer coisa má na zona renal. Venâncio recasou-se, desta vez a
vítima foi uma norueguesa lindíssima chamada Sigrid, foi com ela para Kolding,
na Dinamarca, aí por volta de 1998, 99, mais não sei. De Clarinda sei – mas não
digo.
XVII
Ontem
– como há dez, doze, dezoito, trinta anos – acheguei-me ao espelho, espumei as
queixadas & raspei a barba. Gostaria de fazer o mesmo à espuma de certos
sonhos: passa-la a aço. Era uma barba de vários dias, desfi-la com lentidão paciente.
Demorei mais tempo do que para escrever duas páginas destas assim(-assim) que
todos os dias eu etc.
XVIII
Algures
em remoto arquipélago nórdico
Qualquer
coisa no forno perfumando a cozinha
Poucas
pessoas, alguns animais, prisão nenhuma
Gasalho
& agasalho garantidos, vento correndo aberto
Piano
afinado, enciclopédia completa até 1960
Ninguém
ao leme, cada qual sabe onde ser
Todos
a contas partilhadas no partilhável
O
que só a cada interessa, só a cada se endereça.
Poucas
pessoas, disse. Quatro, precisamente
Dois
cães, quatro gatos, aves inumeráveis pelo céu
Provisões
que duram invernos, racionadas sem dor
De
outro mundo, alguma rádio, jornais que o barco mensal traz
(Encantador
anacronismo das novidades atrasadas)
Foi
em outra ilha que se deu um caso-de-sangue
Só
neste poema disso chega notícia à gente de que falamos
E
depois nem cinza de esquecimento, nem cheiro de século.
(XIX)
(Nunca
esqueço o esquecimento,
mormente
o deliberado.
Não
aqueço tal assento,
nele
não fico sentado.)
XX
Dizemos
–
Estou a pensar nisso –
Mas
é o pensamento
Que
nos faz dizer isso.
(XXI)
(Sei
menos do que digo.
Sei
mais do que escrevo.)
XXII
Páginas,
rios geométricos procurando a foz.
Improvável
demanda mas honrosa.
Aspirantes
à oficialidade do testemunho.
Deponentes
de estrita humanidade singela.
Publicadas
embora, fomentam nova discrição.
Todas?
Nem todas.
Não
há caminhos iguais.
Uma
só meta porém os termina.
XXIII
O
ódio que temos aos ricos
é
feito do nosso amor ao dinheiro.
XXIV
A
chuva abriu caminho pelas traves do casebre.
Todavia
o canto de pedra chispava lume.
Enxúndia
de galinha em calda de arroz.
Chá-de-folha-de-laranjeira,
farinha de milho.
O
rapaz já jornadeia por conta da quinta.
As
duas meninas são criaditas da boa senhora.
O
cura vive de seis paróquias paupérrimas
–
mas vive: e com mais do que havia o Senhor.
Veio
então a tifóide: adeus, meninas; adeus, senhora.
O
cura não as curou, sacramentou-as, deu-lhes céu.
O
rapaz, homem já, embarca para sempre
–
como as meninas, mas em modo diferente.
Destas
crónicas te fizeste escrivão em puridade.
De
pouco mais que esmola vives a pedra a teu canto.
Obsolesce
ser como os d’antigamente, tinta gente
de
expectorado sangue, febricitante ardência.
Todavia
não desistes ou embarcas, antes ficas:
por
um punhado de arroz, magra enxúndia de versos,
que
linhas,
não
galinhas,
sempre
são.
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