23/09/2020

VinteVinte - 59 (V a VIII)

 

(V)

 

(18h21m. Dia no papo. Também do papo, mandei recado certo a incertos destinatários. Fica mandado & desobrigado. Adiante.)

 

VI

 

Continua a infantofagia jornaleira do caso da Atouguia da Baleia, o da menina Valentina assassinada pelo progenitor com a conivência da madrasta. Festa tristíssima, circo-mirone. Nem pudor nem recato.

Arquidiocese de Braga, fumos de abusos sexuais de perpetração clerical. Insondáveis são os caminhos do Senhor.

 

VII

 

Gente ligada à terra, assisto à lide lídima dela.

Algumas vezes, sonho-a de olhos abertos.

É nítida a articulação telúrica da nossa passagem.

No caso do trigo, o ouro ferve em crisol a céu-aberto.

Um faval comove-me tanto quanto Van Gogh.

 

O comboio Coimbra-Figueira sulca os campos.

Ar, água, céu, terra – até que se faz mar a vida.

O olhar do viajante vai lavourando livre tal a ave.

O vento arrepia os olhos-de-água: olhos-de-mãe.

O nome de cada um, fundo, mantém-se raiz própria.

 

Inumerável gente, grã grei do grão, portuguesa.

Conhece as fontes, ergue madeira tombada.

Inominável euforia da colheita, paciência do semeador.

Arvoredo de beira-vala comunga ventanias mansas.

Sol que parece jamais voltar-se noite.

 

Quê? Idílico, eu? Bucólico, eu? Ingénuo, eu?

Desterrado a falar de terra, eu? Por meu nome, não.

Cultivo há décadas esta leira mesma.

Caderno vale courela: o fruto cheira sim a sozinho:

é verdade – mas mal não é por-aí-além, olha quem.

 

VIII

 

Se identifico a sombra, digo-a à luz.

Se a desconheço, temo-a: só assim a temo.

A partir de certo dia, anoitece-se mais horas adentro.

Esse certo-dia é mosaico estilhaçado.

Imagens-irmãs da mais íntima auto’stranheza

– nada porém que obste ao fugaz clarão da Beleza.

 

Em cidade que não era Coimbra, andei a sul dias sem norte.

Fazia de meu mesmo oriente, não perdi tudo.

Laurinda, a de pescoço taurino, vendia peixe.

Olinda, a de varizes como cordões, faz limpezas.

Anacleto diz que tem um projecto.

Cristiano diz-lhe que nem para o ano.

 

Claro que é incontornável abeirar ou ser abeirado por gente reles.

Em certa altura, há mimetismo até dessa relesia.

Cristandade de belmiras & anselmos & tomés & donzílias.

Enquanto há sopa, ele há famílias.

O Arnaldo Bacalhau andou em Moçambique aos tiros.

Voltou mordido-mórbido por dentro, não durou muito.

 

Cada qual é sombra de si, nisso novidade nenhuma.

Assombrar os outros parece ofício, ou fé, de muitos.

Poucos trabalham no ramo da iluminação.

Lunescer, lunesçam os sem-abrigo & os guardas-nocturnos.

Soalhar, soalhe quem tenha a mania da poesia.

Calo luz & sombr’adentro, pena & privilégio irmanados.

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Canzoada Assaltante