25/09/2020

VinteVinte - 60 (partes finais do IV + V a IX completos)

 

IV

 

(...)

 

Vou à marquise, banho-me d’ouro, à sombra volto.

O Gato está a dormir o mais docemente.

Tem expressão de criança-humana-gente.

Pena não ter um quintal onde ande solto.

 

Reli mais Nemésio, revi mais velhas fotografias.

Fiz contas de cabeça, tirei restos-zeros.

O futuro contará – ou não – uns tantos dias.

Euforias já não – nem desesperos.

 

V

 

Natural ventilação freme o arvoredo.

Manchas arroxeadas ’qui-acolá.

O mais é de um virente sossego.

Deus não É – mas mundo, mundo Há.

 

(VI)

 

(Após atempada ingestão de sopa calórica,

assossegou-se-me de pronto certa propensão colérica

que me vem minando instantes de quando em vez.

Bom naco de chispe atulhado a couve

& broa esmifrada em regalado azeite que houve

outrora nascimento em lagar português.)

 

VII

 

Bem mais de meio-mundo me falta viajar,

sei bem porém que a tanto não tão pouca vida

há-de ser bastante. É de aguentar

a permanência, não a ida.

 

À vez, recordo em frente pequeninas disposições

compagináveis talvez com o mais bem vivido.

Por dentro, mandam as cerebrais circunvoluções;

por fora o circo é triste – mas existe, tal malparido.

 

(Quê? Não gostas de versos? Vai às putas,

far-te-ão elas talvez recordar-te a mãe.

Chateia-te a livralhada? Não te diz nada?

Putas a vint’euros – c’o COVID talvez nem.)

 

(VIII)

 

(Protege-me da desilusão o não ter eu ilusões.

É minha, pré-podridão embora, a madurez.

Daí que há pouco tenha versejado à mesquinhez.

Não, nenhumas auto- ou heterodecepções.)

 

IX

 

Nomes revolvo plenos de presença inefável.

Animais conscientes, gente osseamente adormecida.

Alveja ao cimo da serra o casario amável.

Habitável nomenclatura que não quero desmentida.

 

Colmeias. Sílabas. Cabrinhas. Ovelhinhas. Pedrarias.

Habitáculos. Obstáculos. Rodapés. Josés. Marias.

Em flor a giesta, sol na testa, fonte abundante.

Onde era a dos Correias é agora um restaurante.

 

Mais adiante, à beira-poço, ali ao valado,

um de meus Amados Mortos pastoreia-se a si.

Conheço tudo, do muito ter brincado

por a futura lembrança q’hoje é aqui.

 

Pouco amor resiste a tão obstinada mó.

Pouco mas algum, enfim, que o resto é pó.

Joselito & Marisol, na matinée do cinema:

que bonito é o fascismo quand’em verso de poema!

 

À Leitaria do Raul, rés ao Botânico,

vou com um nome ao bom refresco.

É meada a tarde, o ar é balsâmico:

e tal nome era vivo, formoso & fresco.

 

Já em cert’outra ocasião,

vejo-me a sós na noite proscénia.

À lapela prendi ’ma fina gardénia

que viva palpita no meu coração.

 

(Sim, é prosódica & prosaica esta versalhada.

Vale ela o que valha. Algo-pouco-ou-nada.

Desimporta. Contam os tais nomes inefáveis:

vivos na morte, estremecidos, amados & amáveis.)

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Canzoada Assaltante