II
Conheço cifras que morrem comigo.
A mundo algum farão falta.
Ao piano, no hotel, por castigo,
Manuel António da Silva Malta
espera há horas a fugaz amante
que lhe jurou etern’amor no restaurante.
III
Agora já não se fala nisso, pouco importa. É certo que Luciana quis fugir do marido, o bom, o manso, o remediado Silvério das Peças. O pai dela ajudou o genro a convencê-la a voltar para casa. Já na plataforma ferroviária, Luciana, bilhete na mão para Lisboa, estava prontinha. Filho & filha? Resolver-se-ia tudo depois. Vai esperando sentado, Manuel António, aproveita e toca aí o As Time Goes By.
IV
Aqui há uns anitos, conversei algo demoradamente com um rapaz de nome curioso & precisamente onze meses mais velho do que eu: Eleutério Maria Inverno Morais. Versámos assuntos sem futuro, por mormente literários.
Recordo-o agora por nada ter mais de especial que fazer. Na cozinha, a sopa vai fervendo sem hora marcada. O Gato adormeceu na manta preta. Boy George canta Mr. Strange na máquina-audiovisual.
Não sei se Eleutério é ainda vivo. Não temos amigos nem conhecido comuns. Conhecemo-nos num casamento há muito desfeito, como é de lei: o de Sílvia Maria Ventura Reis com Marcelino José Alemão Conde, em 1987, 15 de Agosto, um sábado. Fui a essa boda por ser amigo do pai do noivo, que Eleutério não conhecia. Ele foi por ter namorado no liceu com a noiva, que eu não sabia quem era, só me lembro dela de branco com o ramalhete mentiroso de laranjeira.
Sopa fervida, gato despertado. Adeus, Eleutério.
V
Meu País de meus Pais,
és bonito & letal como o mar,
conheço-te de cor a côr,
daqui te não saio – nem tu me sais.
Uns poucos mortos te me ligam parturientemente,
nomeio-os no deserto em que ter nascido se torna,
sinto pena de ti como se quase fôras gente
que eu houvera conhecido na taberna.
A mensagem é implícita, ando a lê-la.
Olho o céu congelado, pirilampado de luzes.
Aquele luzicu faz ali de estrela:
a tristeza é legal, mas olha, não del’abuses.
Fui já de casa-completa, ninguém faltava:
nem em corpo, muito menos à palavra-dada.
A tal sucedeu o que sucede à chuva pelas sarjetas:
números todos resto-zero, borracha sobre as lápis-letras.
Meu País de meus Pais
Etc.
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