Sim, a todos nós humanos assiste substancialmente a
serotonina, de que cada mioleira necessita para ir levando a própria água ao
respectivo moinho. O problema é se alguém, tratando-se contra a malária com,
por exemplo, halofantrina, ou, outros exemplos, anti-histamínicos tipo
astemizol e/ou mizolastina, anda a tomar fluoxetina ao mesmo tempo: o coração
eléctrico pode fundir-se qual lâmpada de breu noite eterna. Suponhamos o senhor Afonso Lopes Vieira em
São Pedro de Moel cuidando de sua melancolia com o nosso inibidor selectivo da
recaptação da serotonina – mas, ó perigo!, ao mesmo tempo assimilando
varfarina, ou ibuprofeno, ou diclofenal, ou clozapina. Ui! Queiramos ora
imaginar que um Aquilino Ribeiro era dado a erupções da pele, ou comichões, ou
labiação inchada, ou escassez respiratória – e, tomando embora para outros fins
a nossa amiga fluoxetina, andava ingerindo também ciproheptadina em combate a tão
exasperantes alergias: nem quero imaginar um mundo sem faunos pelos bosques nem
lobos uivando, por sinuosas vias, suas sentimentais geografias salta-pocinhas.
Não sei (ninguém sabe, saberá?) se Theophilo Braga urinava muito ou pouco.
Medicamentos há para aumentar o mijanço, só que também diminuem os níveis de
sódio (não ódio mas sódio) no sangue. Theophilo não gostava de Junqueiro,
parece, que não gostava de Theophilo, parece. Também não sei a frequência
mijatória do envelhecedor do Padre Eterno – mas sei agora que convém dosear a
preceito a serotonina com o uso de desmopressina, carbamazepina e
oxcarbazepina. Ah pois é, cuidado com o abaixamento do sódio na veia. Mas isto
são exemplos, sei que V. maço com eles, sendo porém bondoso o meu intuito.
Porquê? Para quê? Fácil: qualquer leitor de boa literatura acaba padecendo, por
via de maus anos & excelentes livros, de falta ou excesso de apetite, idem-idem
de peso, nervosismo, ansiedade, agitação, desconcentração, tensão (com n),
problemática do foro sexual vária, sono esfarrapado, sonhos esquisitos (eu,
esta noite passada, sonhei que o Messi tinha uma irmã que queria muito conhecer-me
para que eu lhe dissesse coisas de Wenceslau de Moraes e das duas vezes que no
Japão ficou viúvo), fadigas alquebrantes, insónias que fazem da mente uma
galeria cegada a néon, paladar a pedras do chão por que passaram cabras,
tremores com o coração por epicentro, turvação das pupilas & do senhor
reitor, bocejos escancarados como altamiras-d’aire, digestões pedregosas,
vómitos sem ter bebido bagaço, boca seca e montada como papel-cavalinho,
vulcõezinhos cutâneos, urticárias da lembrança, comichões genitais, comoções
geniais, sudorese a mais, articulações rangentes como aldravas conventuais,
hemorragias inexplicáveis & vaginais que só quem não é homem pode ter,
treme-arrepiadeiras sem mote supersticioso, e não só, infelizmente ler muito
& bem leva uma pessoa a sentir-se fora de si, a estranhar-se pensando &
a pensar-se estranha, a dar-se anormalmente eufórica & agonicamente normal,
vir-se mal & em ninguém, pôr-se a prótese dentária com rangidos acrílicos,
maluquecerem os músculos contracto-espasmodicamente assim por modos que de
repente, diminuição da memória em correlata aumentação da aldrabice, zumbideira
dos pavilhões-auriculares como se uma colmeia de zângãos fosse o preço a pagar
por ler os noivados sepulcrais à la Soares dos Passos, perder pêlo sem
se saber em que zona da cidade, ir aos achados & perdidos da PSP e dar lá
com o cabelo dos outros, equimoses frias & suores tropicais, mijar ser uma
trabalheira por implicar abrir a botoeira, calor & frio no mesmo minuto,
saber que ler a besta do Pinheiro Chagas é autocondenar-se a abaixamentos
bruscos do sal no sangue, incapacidade de fingir que a leiturinha certinho-metriquinha
do Castilho é o mesmo que mandar às favas-piladas o teor das plaquetas do
sangue, esse nosso rio freático tão condenado à escuridão infernal da rotina arterial-venosa-acidental-venenosa,
sim, meus senhores, decerto, minhas senhoras, a serotonina mal distribuída mas não
corrigida pela fluoxetina pode fazer um velho ledor ir a um bairro-negro proclamar
a soberania dos glóbulos-brancos, rebeldia incaracterística de quem até então foi
tão menino-de-sua-mãe sem de balas estar trespassado, é como pedir ao Camilo
Castelo Branco que se não meta com casadas, ou como esperar que o Herculano não
tenha alucinações presbíteras de cada vez que lhe contrariam a tese relativa à
origem dos municípios portugueses, se romana, se muçulmana, é querer que não gagueje
um jesuíta quando se lhe achega ao crânio o Afonso Costa com o escalímetro, tudo
a que sinapticamente temos direito quando nos dá para o torto, eu sei lá, ataques-de-pânico,
defesas de último-recurso, agressividade para com os coxos, fúria para com os
manetas gritando-lhes que se tiverem o azar de perder o outro braço já só
arranjam trabalho como bonecos-dos-matraquilhos, vasculites a sério, daquelas
em que os vasos sanguíneos se inflamam como aeróstatos ligados por baixo à
botija, pescoço inchado, beiças intumescidas, gargantas vulcanizando
escarróbias, fossas-nasais com estalactites de muco-macaco, hepatites do
desejo, pulmões cavernando caramulos à la Thomas Mann, não poder com o
sol, despir-se ao luar, dar leite pelas pálpebras. Sim. Nem V. falo de
flecanidas, propafenonas, nebivolóis ou encainidas, da carbamazepina para a
epilepsia não sei se V. falei já, escusado será decerto fazer-Vos arrecear a
atomoxetina, que tão bem rima com as manas
imipramina-desipramina-&-amitriptilina, ou a velhota risperidona sempre tão
refilona para com os esquizofrenéticos. NB: eles dizem que se “deve
evitar o álcool enquanto estiver a tomar” a fluoxetina. Ou seja: pedem o impossível.
É como pedir ao céu de Mafoma que rilhe toucinho, ou ao adventista que coma
lulas ou qualquer outro nadador marinho sem escamas, ou a um judeu que despreze
o porco-mealheiro. Abaixo dos oito anos de nascido, não tomá-la de todo. Entre os
8 & os 18, cuidado redobrado. A partir dos 19, a fluoxetina ajuda a não recear
chamar medíocre ao Torga, sub-medíocre ao Alegre, gozão ao Lob’antunes,
hiperaforística à Agustina, mal-empregadinha a Sophia em tal filho,
mal-empregadinho o Jacinto Prado Coelho em tal filho, mal-empregadinho o
António José Saraiva em tal filho, sim-sim, senhoras & senhores. Axónios
& sinapses bem irrigadinhos da natural serotonina só podem proporcionar ao
respectivo tripulante cabeçal a justa apreciação de António Osório (n. 1933)
como Maior Poeta Português Vivo, do Cesariny como rapazola às vezes engraçado,
do Herberto como acima-da-média-no-último-terço-do-terreno, do Carlos de
Oliveira como bênção que nunca fizemos por merecer, do O’Neill como mais sério
do que o Bob Dylan quando este se desatou a rir por causa da Academia Sueca, do
Vasco Graça Moura como espécie-de-Pinheiro-Chagas-do-nosso-tempo, do David Mourão-Ferreira
mui jeitoso navegante de quaisquer águas-ante-&-pós-25-de-Abril, do José
Hermano S. estar para a História como o Herman José para o Sinatra, da
iniludível seriedade de João Miguel Fernandes Jorge, da dedicação à causa de
Joaquim Manuel Magalhães, de Nuno Dempster como gema, de Emanuel Félix como
nosso, de Nuno Júdice como sabe-la-toda-malandreco, de Ruy Belo como vivo
amanhã, de Ary dos Santos como letrista muito jeitoso mas menos poeta do que o
Carlos Tê, de Ramos Rosa como verborreico bem-intencionado – e do Mário Coluna dever
ser equanimemente considerado a par de Eusébio da Silva Ferreira. E não esquecer
que ISRS com IMAO não é bom, é mau.
P.S. (salvo seja): nomes que aqui não aparecem, foi porque me não alembraram, que hoje até da fluo-me-esquexitina.
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