61.
PUF, MARCOS; PUF, PORTUGAL
Coimbra, quinta-feira,
21 de Maio de 2020
I
Vida,
segmento de recta.
Tortuosa
linearidade todavia.
Nascimento
remoto, morte certa:
certeza
geométrica de cada dia.
II
Há
algo que me faz pertencer a uma maioria:
ter
os próprios pés crivados de tiros autodisparados.
III
De
Marcos Portugal, o Requiem (1816).
Dizem
que 1869 foi o Ano II da Era Meiji.
1822
é o Ano Brasileiro.
O
nevão em Hokkaido é mortalmente belo.
Crianças
& avós encanecidas fazem de, sabeis de quê?, de cerej’amendoeiras-em-nívea-flor.
Nenhuma
quer morrer, isso é certo.
Estes
três fizeram muito mar:
Wenceslau
até o Japão;
Pessanha
até Macau (onde acolheu Wenceslau);
Pessoa
desde Durban ’té Lisbo’-A-Terminal.
Na
nipónica Era Meiji, o Ano XIII é o mesmo do nascimento do senhor meu paterAvô:
1880.
Sou
sétimo-filho de um quinto-filho: daí que porte comigo tão entranhado &
remoto nome.
Muito
longe daqui, Sapporo.
Mas
não fica tudo daqui muito longe? Sim, fica.
O
Wyoming, La Salette, o Menino-Mijão de Bruxelas, Silves-a-Árabe, Matosinhos de
boa & barata comida.
Dizeis
não poder compreender o fio-lógico deste alinhamento? Quem V. prometeu fio-lógico?
Quem V. deu tal corda?
Já
o calor vai cingindo o torno. E eu detesto-o, mas que remédio, é cerrar estores
& cortinados, fazer disto (ainda mais) caverna – disto: a minha casa,
a minha vida.
Mas
falávamos de música, não era?
À
tarde, escutei Marcos Portugal, compositor de cuja obra o senhor D. João VI
gostava – dicunt Mihi. Também acedi a canções de Kate Tempest, Nick Cave
(sempre, grande gajo), Alberto Ribeiro & Ronnie James Dio. Ia fazendo, enquanto
a música dominava o ar do quarto, troca de referências entre livros, lapijando
datas, nomenclaturas, figuras oblíquas, rainhas-d’-inglaterra desse &
doutros géneros outrossim.
Nada
me fez rebentar – de riso, muito menos.
Nada
me fez prantear – de alegria, muito menos.
(Queríeis
quê? Fio-lógico? Tomai & mamai todos: a GALP aproveitou a crise-do-coronavírus
para despedir 300 trabalhadores, mas agora distribui 580 milhões de euros pelos
accionistas. Nada mal, hã?)
Dizia-Vos
pois: Marcos Portugal etc.
IV
Insisto
na linha que há já muitos anos me ocorreu sobre o que somos: meros sacos de
vísceras apertados em cima por um olhar. Não há dualidade corpo/alma. Inexiste
a alma. Não há dicotomia matéria/espírito. Só há matéria. O que acontece a cada
eu/me/mim em vinda-a-hora? Puf. É o que lhe acontece: puf. Lavoisier o
determinou: nem ganho nem perda, só transformação. Cálcio, carbono, ferro, mãe:
puf. Transpufa-se tudo. Mas a linha fica:
Sacos
de vísceras apertados em cima por um olhar.
A
linha fica porque é certa.
(Desculpe,
senhor Novalis; desculpe, senhor Sampaio Bruno – mas está.)
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