30/09/2020

VinteVinte - conclusão da entrada 62 (III a VIII)

III

 

Enquanto aprendo um pouco mais, o ar do quarto é tomado de assalto vitoriosíssimo (& virtuosíssimo) por o J.S. Bach de Werke für Orgel und Orchester, com André Isoir & Orgue Westenfelder de Fère-en-Tardenois, Le Parlement de Musique Strasbourg & direcção de Martin Gester – gravado em Outubro de 1993 na igreja de Saint Macre, Aisne, França. O encanto é garantido. O Gato dorme perto, de vez em quando arrebita uma das orelhas. Fê-lo agora mesmo, durante a primeira ária da Cantata BWV 35. Ah pois foi.

 

IV

 

Bach vive mesmo a sério. Todos os dias. De pouquíssima gente outra se pode dizer o mesmo. Uma coisa é saber ainda alguns nomes; outra é eles terem deveras sobrevivido. Bach deveras sobrevive.

 Já o disse eu muitas vezes. Nunca cri em Deus: mas se estiver errado, pelo menos cri sempre em Johann Sebastian.

Ao tempo da existência física de Eça de Queiroz (1845-1900), a taxa de analfabetismo ronda em Portugal os oitenta por cento. A permilagem de mortalidade infantil é de 238.

Por aqui, & por ora, fiquemos.

 

V

 

Tempo feio. Não me refiro ao meteorológico. Era feia, a nossa. Idade errada. Televisão-chunga, povoléu-idem. Violência desinformativa, analfabetismo comportamental. Muita maquineta-a-cores, muita vidinha a cinzento-sujo. Crimezitos de pacotilha. Corrupção bancário-alto-financeira. Benesses para com o prevaricador. Desemprego para a geral. Macacada anti-social. Gorilada discotequeira. Simiesca galeria subúrbia. Fealdade eleita a tempo-de-antena. Humoristas sem pinga de inteligência (excepção áurea a Ricardo Araújo Pereira). Brasileir’americanização do rebanho íncola. Tempo horrendo. Incultura devinda obrigatória. Acefalia globalizada. Não fosse tanta mortandade gratuita – e o vírus-chinoca até daria para umas piadolas… amarelas.

Confinar é preciso, viver nem tanto – parafraseando o Grande Outro, que em paz dorme desde 1935.

 

(VI)

 

(Suave, a ave, ao entardenoitecer,

de leve voa ao vento suavíssimo.

Puríssimo horizonte vem estender

à hora o instante preclaríssimo.)

 

VII

 

Rataria global. Da pequenina & da grandalhona.

Sai-se da leitura, liga-se o televisor – tudo rata(n)do.

Rataria bípede, claro – estamos entendidos, eu sei.

Caridadezinhas de autobeatificação tipo banco-alimentar.

Accionistas, administradores & executivo pagos ao milhão.

Milhões de ratinhos com fome oram ao Deus-Ratão deles,

Antigamente, a TV dava o Circo do Mónaco pelo Natal.

Agora, dá-o todos os dias por todos os mónacos.

Jornaleirismo-simplóide-tablóide em barda(merda).

Ratinhos-coitadinhos & ratões-coitadões.

Tudo conspurca tudo, poucos fazem por limpar.

Refogados & refugiados.

Afogados & refrigerados.

Trânsfugas & sanguessugas.

Não acreditar em Deus é uma óbvia racionalidade.

Acreditar no Homem é uma óbvia imbecilidade.

E disto não saio nem ninguém me tira.

 

VIII

 

Quem já da própria Mãe o rosto morto

viu de si tão perto & tão sem remédio,

pode votar à vida tanto ódio

quanto de tanto amor lhe fazem roubo.

 

Se na horizontal lhe sai de casa

o Pai que tão seu foi o amantíssimo,

pode ora sentir-se um homem veríssimo

o ex-filho que se vê nome que acaba?

 

Paliativo pode ele só encontrar

em pai também ele ser & multiplicar.

De resto, o espelho é todo orfandade,

que já se nasce em limite de idade.


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Canzoada Assaltante