III
Enquanto aprendo um pouco mais, o ar do quarto é tomado
de assalto vitoriosíssimo (& virtuosíssimo) por o J.S. Bach de Werke für
Orgel und Orchester, com André Isoir & Orgue Westenfelder de
Fère-en-Tardenois, Le Parlement de Musique Strasbourg & direcção de Martin
Gester – gravado em Outubro de 1993 na igreja de Saint Macre, Aisne, França. O
encanto é garantido. O Gato dorme perto, de vez em quando arrebita uma das
orelhas. Fê-lo agora mesmo, durante a primeira ária da Cantata BWV 35.
Ah pois foi.
IV
Bach vive mesmo a sério. Todos os dias. De pouquíssima gente
outra se pode dizer o mesmo. Uma coisa é saber ainda alguns nomes; outra é eles
terem deveras sobrevivido. Bach deveras sobrevive.
Já o disse eu muitas vezes. Nunca cri em Deus:
mas se estiver errado, pelo menos cri sempre em Johann Sebastian.
Ao
tempo da existência física de Eça de Queiroz (1845-1900), a taxa de
analfabetismo ronda em Portugal os oitenta por cento. A permilagem de
mortalidade infantil é de 238.
Por
aqui, & por ora, fiquemos.
V
Tempo
feio. Não me refiro ao meteorológico. Era feia, a nossa. Idade errada. Televisão-chunga,
povoléu-idem. Violência desinformativa, analfabetismo comportamental. Muita maquineta-a-cores,
muita vidinha a cinzento-sujo. Crimezitos de pacotilha. Corrupção bancário-alto-financeira.
Benesses para com o prevaricador. Desemprego para a geral. Macacada anti-social.
Gorilada discotequeira. Simiesca galeria subúrbia. Fealdade eleita a
tempo-de-antena. Humoristas sem pinga de inteligência (excepção áurea a Ricardo
Araújo Pereira). Brasileir’americanização do rebanho íncola. Tempo horrendo.
Incultura devinda obrigatória. Acefalia globalizada. Não fosse tanta mortandade
gratuita – e o vírus-chinoca até daria para umas piadolas… amarelas.
Confinar
é preciso, viver nem tanto – parafraseando o Grande Outro, que em paz dorme
desde 1935.
(VI)
(Suave,
a ave, ao entardenoitecer,
de
leve voa ao vento suavíssimo.
Puríssimo
horizonte vem estender
à
hora o instante preclaríssimo.)
VII
Rataria
global. Da pequenina & da grandalhona.
Sai-se
da leitura, liga-se o televisor – tudo rata(n)do.
Rataria
bípede, claro – estamos entendidos, eu sei.
Caridadezinhas
de autobeatificação tipo banco-alimentar.
Accionistas,
administradores & executivo pagos ao milhão.
Milhões
de ratinhos com fome oram ao Deus-Ratão deles,
Antigamente,
a TV dava o Circo do Mónaco pelo Natal.
Agora,
dá-o todos os dias por todos os mónacos.
Jornaleirismo-simplóide-tablóide
em barda(merda).
Ratinhos-coitadinhos
& ratões-coitadões.
Tudo
conspurca tudo, poucos fazem por limpar.
Refogados
& refugiados.
Afogados
& refrigerados.
Trânsfugas
& sanguessugas.
Não
acreditar em Deus é uma óbvia racionalidade.
Acreditar
no Homem é uma óbvia imbecilidade.
E
disto não saio nem ninguém me tira.
VIII
Quem
já da própria Mãe o rosto morto
viu
de si tão perto & tão sem remédio,
pode
votar à vida tanto ódio
quanto
de tanto amor lhe fazem roubo.
Se
na horizontal lhe sai de casa
o
Pai que tão seu foi o amantíssimo,
pode
ora sentir-se um homem veríssimo
o
ex-filho que se vê nome que acaba?
Paliativo
pode ele só encontrar
em
pai também ele ser & multiplicar.
De
resto, o espelho é todo orfandade,
que
já se nasce em limite de idade.
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