©
Alexei Bednij
Programa meu para
tarde de Agosto
Surpreender a ilusão da (p)aragem do Tempo em recanto de
quatro árvores sobre pano de relva com moldura de sebe. Na tarde encalmada, sentir
algum raro pássaro em silêncio e algum fio de água em murmúrio.
A essa sombra benigna, porejar a enxúndia da melancolia
sinelaboral, lancetando a escrófula da tristeza a fio do estilete do bocejo,
cuidando todavia de não por demasia ceder à suculência dos, se não pútridos, ao
menos insípidos humores de tanta metáfora seguida.
Aos pés, em balde com dados de gelo à guisa de copo para
um poker de alumínio, deixar que vá glaciando-se a botelha de um verde-branco
bem picotado a gás.
Rente à bebível ampola vinominhota, e largo como um
abraço, um cesto de fruta em profusão como dois abraços, cuja cor amadura o
açúcar em seiva: a granada do abacaxi, a boquinha-de-riso da cereja, a marreca
eréctil da banana, a maçã rubicunda como um rosto em cólera, a romã ourives
pejada de ácidos rubis, o coração picotado a verde-grainha do morango já grená
– e uma talhada já trincada de melão, que à mão se mordeu para lavar (ou levar)
da boca a ardida palha tabágica do cigarro pós-prandial.
Sem outro mobiliário que o do chão para assento e o tronco
de uma das quatro árvores a jeito de espaldar, fazer por nada fazer, pois que o
calor é de um catolicismo alto como um campanário cego de cal à distância do
incêndio da fé. Em refractado revérbero, o tijolo de existir é branco como um
giz árido.
Paginado a folhas pela brisa que às copas despenteia, o
firmamento é de um azul profundo para cima que a espaços azuleja a vista
semicerrada. E a talha (ou toalha) que nos atirou o deus do Verão é, jamais nos
caindo em cima, de um bálsamo por assim dizer olímpico que nos foge para a
frente (de) quem atrás (nos) perdemos.
O silêncio vem reiterado pelo cegarregar do ralo, que de
oculta cova musgosa telegrafa interminavelmente sabe-se lá que sideral radiação
semiótica. É portanto, o silêncio da tarde, de uma opulenta dicacidade.
Respirando devagar como um fole já menos novo do que
antigo, o esmalte do ar chega em cristal de lamber a haustos.
Os verdes sufragam virentemente os azuis e os brancos da
paleta, não iludindo porém o ominoso loureiro outonal ult’anterior do costume.
À distância dextra, espargir átomos de pão à beira do
carreiro proletário da formiga. À mão esquerda, em cujo anular fulge a feraz
abelha de ouro da anilha matrimonial, permitir que durma em o mais cândido
abandono de animal que não escreve nem precisa de.
Topar em cada vespa açucareira a peremptória obstinação da
avioneta. E em cada borboleta o tropeçagar ébrio-assimétrico de uma vida que –
como todas – só dura uns tão poucos dias. Então finalmente adormecer – cuidando
tão-só de não adornar o barco do corpo para cima do cesto da fruta ou do poker
do vinho frio.
Se nada disto puder (como não pode) ser, rejeitar então de
todo a ilusão de alguma vez o Tempo parar sem ser por razão de morte própria. E,
não parando Ele, passar antes a tarde de Agosto na bicha do centro de (des)emprego,
antro pelo qual se não demora a formiga, a quem o pão só cai do céu em crónica
de ocioso.
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