26/08/2012

Ontem à tarde, sábado, 25 de Agosto de 2012, Leiria



DESCAMPADO COM CICLISTAS

Leiria, tarde de sábado, 25 de Agosto de 2012

I

Fanada a manhã, diáfana sobreveio a tarde. A Cidade espera o contra-relógio do penúltimo dia da Volta a Portugal em Bicicleta. Da galeria da Rita vai dar para ver os ciclistas em último esforço pela Avenida.
É deveras uma tarde muito pura, dessas que vale a pena viver sem pensar em valores, penas ou vidas.
Mesmo assim, do outro lado da festa, perto do rio, sinto a passagem de uma pessoa pass(e)ando (pessoando, portanto) a própria infelicidade, a qual, sendo dela, parece ser ela a levá-la pela trela. Passepessoando a infelicidade como a um cão. O cão a levá-la. Mas talvez não seja infelicidade, talvez se trate de solidão – não são o mesmo. O cão da infelicidade e a cadela da solidão podem ser irmãos ou concubinos – mas diferem.
Os ciclistas vêm chegando: heróicos, quase todos sem número. Trazem o vento consigo. São filhos de alguém todos, pais de alguém alguns. A pessoa-cão ao pé do rio não os espera nem olha. Procedendo vai à sua íntima volta portuguesa, ao esplendor da vigésima-quinta etapa de Agosto.

II

O alto arvoredo beira-rio celebra a fulminandiamantes o matrimónio sol-vento. Assisto a essa paleta viva, desnudado de grandes semiologias. A meu modo, celebro quase tudo. Saí de ao pé do gradeamento, tirei já fotografias a um que outro ciclista, mas não pude evitar a recordação de quanto o meu Velho gostava de ciclismo, recolhi à Rita, tenho direito à minha cerveja e ao meu caderno, esse (este) cemitério-de-elefantes.

III

A uma ronda de castelos procedo sem sair daqui-dentro.
Nunca estive para turismos que não escritos.
Não, eu não brado por aí, por aí não and’eu aos gritos.
Turismo é por cá dentro, a tempo do atempo do Tempo.

Da negação Dele também, por força do seguro amor
que ossificou esta roulotte que a nenhures vai e sou.
Para nada conto, mas sou contador:
vou contando ciclistas (o 41 ’ind’agora passou).

A uma fronda de rios sucedo sem m’ir dali-fora.
Não, cá não se vive sem gafanhotitos.
Sim, eu briso o que li, o que li aos bocaditos.
Sou isto sem centro, a destempo do intempo do Tempo.

IV

Milénios há que o muito mar areniza as arribas.
Isto é tudo um esfarelar, até a luz é poalha.
A terra fuma-se, sabe-o bem quem cedo se levanta.
Somos afinal o bornal de quê para quem?

Aquela velha está viva, a minha Mãe não.
Estranhei sempre que aos pobres legassem o ouro das praias.
Isso – e o cinema das sombras dos pinhais na estrada.
Isso – e a eterna première da Lua estreando estrelas.

Vem a idade de ver com nitidez o descampado das coisas.
O melhor é vir vindo ao mesmo Café, sempre te sabem o nome.
Se com o de teu Pai ele coincide, pois então melhor, faz sorrir.
E sorrir, com a idade, é pelas horas da amargura

ao preço-da-(ch)uva mijona.
(Milénios há que o muito mar
etc.) 

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Canzoada Assaltante