Vozes e olhos. Gargantas por onde sai a
alma toda. Peles que vestem as árvores ósseas. Roupagens colorindo pessoas tão
vivas. Basaltos duríssimos, certos olhares. Ânsias por ternura que não provirá
nem está à venda. Seres de fluvial exílio e marítimo desterro. Erotismos
eólicos. Graças recebidas. Remunerações gestuais. Enclaves demiúrgicos de
grande teor simbólico. Cervejas sem álcool. Filigranas e hemistíquios. Berlim-Praça-de-Alexandre.
Túneis de som óptico. Rosas, ventos e rosas-dos-ventos.
*
Vi, morta no chão, perto de lixo, uma
andorinha. Mas antes houvera visto uma borboleta de um castanho ferroso quase
chá. Viva. Ambas são, andor e borbo, inha e leta. Um cinquentão fumador de
Português Suave Amarelo ao engate de uma rapariga negra de olhos límpidos e
rotunda carnação. A um metro de mim. Dispenso a escuta do fraseado, opto pela
penugem gabiru dele, a cintilação quase ingénua dos olhos dela. Ela, de trabalhosas
tranças finas. Ele, grisalho já em bom adianto. Ebony and Ivory etc. Por dentro, somos a mesma terra – e a mesma
lama.
*
Horizonte mentalizado (fechando os olhos
para ver): fumo de garças rareando o opúsculo crepuscular; mancha, esfumada
também, de arvoredo a que sucedeu dunas, areias & o Mar; gente holandesa
comendo arenques enquanto fala de museus e de casas-de-putas; Bolonha,
Florença, Corleone, Aspromonte; nervuras vegetais que digitalizam radiografias
de mãos; pulmões excrescendo sangues no Caramulo; & a Andorinha & a
Borboleta.
*
Vais viver muitos anos depois que vivi.
Em alguns aspectos, nem nascente ’inda.
Janelas debruadas a verde sem gente à
janela:
é muitas vezes mais triste ficar do que
passar.
Aos anos que as gaivotas devoram/demoram o
Mar.
Decoram o Mar há que anos, as gaivotas.
E nós, finisseculares desde nascença, não
goramos.
Um coração habitado por coelhos da
Berlenga, imagina.
Maravilhosa marfínica dentição, a da
rapariga
tão negra, negra a ponto de luminescer.
Como lhe é genuíno o ouro pechisbeque
da pulseira, fogo de metal ardendo carvão.
Forlán, o uruguaio de olhos azuis, fita o
Céu.
Joachim, o alemão de cabelo negro, também.
Quem devolve a casa os heróis do dia e
Anne Frank? É quase matricídio, tanto amar.
Ressonâncias cavam fundações no coração
que bravuras são de geral fra(n)queza.
Maus casamentos por toda a parte, mas
bons filhos: ínvia é a Humanidade, mas
transita.
E tirita – de gelo em pleno Estio, ante
mulheres que se adamascam de louro,
homens que se depilam, cafés que arrefecem
em sozinhas cozinhas. Ao néon, os cesários
possíveis verdejam o gás que podem. A
mulher-
-da-erva existe: lenhifica-se, muito viúva,
por azinhagas que são mais do que só-Coimbra,
mas Portugal-todo. E eu funciono, eu estou
vivo.
*
Sim, viver mais vais muito
do que vivi.
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