(H)ORA
ESSA
Leiria, tarde de quinta-feira, 23 de Agosto
de 2012
Se coisa há que não valha a pena é por aí
andar de coração rachado sem produto criar que o escore. Isto penso e isso
pratico. Nem criar se volve preciso sempre: colher é por vezes quanto basta ao
sofre-dor. Não sei se alguma vez vos falei de árvores, pombas, rios, ruas,
anónimas pessoas, galerias – falei?
Então:
Rapaz de boné-ayrton-senna gingando os rodados
cartilaginosos pela galeria da Rita depois de estacionar o carro em lugar
seguro e por enquanto ainda não cobrado. Ainda lhe não dou os trintas.
Representante de qualquer coisa alimentícia, mas com ar de folga. Pull-over
azul-claro como um que tive em 1968, lembro-me tão bem, fui pela mão da Mãe ali
à Flama, no Casal de Santa Isabel (onde foi a primeira casa de casada dela e em
que nasceram a Xelinha e o Carlos). Havia uma trepadeira de rosas pela parede
frontal. Ela bateu à porta, veio alguém a quem ela disse então precisamente
assim:
–
Quero uma camisola azul clarinha para este menino.
E ei-la, à camisola mesma,
tantos anos depois, ao tronco do Ayrton Senna, uma quinta-feira de Agosto, não
recordo o ano que é hoje nem o futuro de tantos ontens, nem vou deixar que se
me rache o coração só por causa de uma peça de roupa, essa agora.
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