PATRICIPEDRINEZIANAS
Leiria, tarde de sábado, 25 de Agosto de
2012
Matam Inez a Pedro, que matar manda dela os
matadores.
Círios na noite de Coimbra a Alcobaça: a
Morta é Rainha Viva.
António Patrício estagna para sempre esse
amor além-Tempo.
Os cursivo-itálicos seguintes são uma
colagem de instantes de Pedro, o Cru.
Comidas
de sol, em gamas mortas: e o que tinha de suceder,
lá
sucedeu. Entra uma aragem, como um gesto da noite
adormecida.
E anda
na
Morte. Vem tão
tarde!
A tira de mercúrio
do
Mondego, além, a
escorrer
lua.
Nunca
foi tão noite.
O
luar está mais loiro, cor
de
trança.
Como
uma fé simples.
Que
venham sem algemas. Para poderem falar,
para
terem gestos.
Tínheis
ao pé de Coimbra os
vossos
paços, tinha olhos para nós
a
sombra.
Um
adeus de lento.
Como
o espectro de uma
rosa
branca, como uma lua de gelo
no
crepúsculo.
É um
entardecer de outono. Os últimos planos
estão
já numa penumbra de
oiro
frio.
Choveu.
Cheirava
a terra.
Era
bom.
Os
passarinhos,
é a
hora deles.
Adeus
ao sol,
mas
com os olhos cheios
de
sol.
Era
um esperecer, um ir-se
embora.
Para
eu o ver ainda nos
teus
olhos.
Que
devagar Deus levou
aquela
flor.
Tinha
passado.
Matara
tudo.
Dormir
de dia, fugir
ao
sol, porque sabia que o sol canta melhor que
os
rouxinóis.
Havia
um não sei quê que
nos
transia.
O
lugar da execução e o
da
fogueira.
Dentro
de mim em sangue
e
lume.
Ela
com
mil
vidas.
Duas
vezes os
seus
dentes.
Tomara
eu que o vento
se
calasse.
A
impressão de
coisas
frias.
Sem o
olhar, o
meu
destino.
Seja
o que for. Luz.
Bebi-me.
Dá-me.
Têm
pouca luz
aquelas
flores.
As
mãos que
alumiam,
tremem.
Perdoa.
Sou
eu.
O
nosso amor saía do desejo – como sai uma
pérola
do mar.
O teu
cheiro como
um
corvo.
O céu
e a terra
escutam-se.
São
dois abismos
a
beijar-se.
Um
silêncio místico.
As
vossas mãos são familiares das
coisas
santas.
Nem
lhes buliu
a
Morte, as jóias
da
Morte.
Adormeceu
com ela a
vida
toda.
Há-de
passar por entre círios?
Muda,
muda
muito.
Ides
ter
rosas
vermelhas.
Núpcias
das árvores e das nuvens.
Como
em vida, a dizer assim:
como
um piloto cego vê o mar.
Com
os olhos que
não
dormem.
A
carne é também uma janela para
a
dor.
Saudades
são as promessas que nos faz
a
Morte.
Mãos
que criam mundos
e são
aconchegadas
como
ninhos.
Que
se fazia leve,
que
fugia,
como
a sombra recua ao vir
do
luar.
Eu
vou a pé: carrego os
meus
janeiros.
Vem
crescendo na névoa e
no
silêncio,
num
grande espelho embaciado,
sem
memória.
A
cada tule de névoa,
uma
coroa de ouro, um
grande
manto, um
fresco
esmaecido
de
fantasmas.
Tudo
sabe que a Morte anda
no
souto.
As
nuvens caem no vale
como
mortas,
sem a
luz das tochas.
A
noite em que a saudade
se
fez carne.
Todo
o povo encantado
da
saudade.
Pedi-lhe
que fosse ela a
tua
mãe.
Porque
é que o silêncio das criaturas
não
consegue falar como o
das
coisas?
É uma
janela que dá p’ra além
do
tempo.
Que
dizes
tu?
A
névoa, em
tules
lentos.
O que
Deus sonha, o que O
faz
triste.
Só
porque amei, estou
entre
vós
mais
só do que o pobre mais pobre do
meu
reino.
Sou
um gafo do amor,
lepra
divina.
Sou
um pastor doido.
Vou a
tanger pela noite à Ovelha morta.
Para
entender estrelas, o melhor é
viver
como elas a
arder
sempre.
O
resto
é
pouco.
É
nada.
O
olhar que mais vê e
o olhar
da vida – são
um
espelho em face
d’outro
espelho.
Querer
saber é um impossível triste.
Os
teus olhos de
alão
meigo.
Não
sei porquê.
Foi
assim sempre.
A
tristeza faz rir.
Tu és
bela de mais: p’ra
durar
pouco.
Falei
enfim uma vez pela
boca
deles.
Pobre!
Pobre
de
ti,
como
eu,
um
irmão meu.
Dá-me
pão.
Não
posso mais.
Estou
a cair.
Dêem-lhe
vinho.
Podeis
crer.
Esta
noite é um
bom
espelho.
Fumos
de árvores.
A
névoa agora espectraliza tudo,
os
olivais que nos cruzaram.
O ar,
todo o ar, cheirava
a
urze.
Parece
que tudo isto é já passado.
Nem
eu sei se Alcobaça ainda existe.
El-Rei
saiu às trindades de Coimbra.
Há
sete anos.
Já a
terra o esburga,
o
imaginário,
o
baldaquino.
Adivinhava
em sonho os
nossos
filhos,
as
pálpebras cerradas,
transparentes,
de
seda.
Quando
estou triste – disse ainda.
Nos
olhos dela
a
Eternidade,.
A
hiena que o
cio
ensandeceu.
Formas
vagas de árvores imóveis.
O céu
que nos longes – sonha luz.
Todas
as luzes se apagam.
O
vento! O vento!
Não
vêdes como está
perdido
n’Ela?
Tremulava
das agulhas à raiz, como
oirado
de lua.
Cada
coisa olhava a sua imagem: já não
havia
terra: só
espelhos…
Mesmo
o ar era um espelho
de
âmbar
em
que o luar se mirava,
se
sumia.
A
fadiga faz das lajes um
bom
leito.
As
colunas guardam, apenas se ouve o repicar
dos
sinos.
Como
água duma fonte noutra fonte.
Como
a luz na luz.
Uma
noite de pedra sobre esta alma.
É o
primeiro serão da eternidade.
Lembro
a face da terra em que te amei.
Vejo
os campos de Coimbra ao luzir d’alva.
Quando
fecho os olhos, vejo-a sempre:
dir-se-ia
que forra as minhas pálpebras.
Hiena
triste.
O teu
corpo de amor tão
grande
e belo.
Vivia
com o teu corpo na memória.
O teu
sangue era o meu vinho.
A tua
morte, o meu pão.
Pedro.
Inez.
Cúmplice
das coisas contra mim.
Eu
sei a morte como tu.
O
homem-Saudade, o rei-Saudade.
Oirava
de pensar.
A
fugir de mim mesmo como os meus galgos.
Toda
a terra viveu a endoidecer-me.
E o
sono não vinha,
nunca
vinha.
Nos
pântanos d’argento.
De
além da morte e além
da
vida.
Vivo
com
ela.
Bendito
o lobo
em
mim.
Coimbra
foi como
uma
mãe.
E rio
e choupos,
e
olivais e paços,
vozes
de sinos,
é
tudo, tudo feito
de
reflexos.
Só
ela vive do meu reino agora.
Só
guardo nos meus olhos o Mondego.
Eu
não tinha um irmão.
Ninguém
comigo.
Fui
ter com ele – o meu
amigo
de água:
as
suas águas tinham sede como a areia.
O sol
da terra é irmão do teu cabelo.
O
pomar dormia.
Eu
cingia-te.
Só o
silêncio andava a perfumar-se
no
pomar.
O teu
olhar.
É o
ar da minha alma.
É um
turbilhão de estrelas.
O
vento de luz
da
eternidade.
Não
volta mais.
Nunca
mais volta
em
vida.
Quereis
algum cordial?
Esperemos.
Consentis,
meu senhor, que
vão deitar-se?
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