CONSTÂNCIA
VERBO-VISUAL
Leiria, manhã de segunda-feira, 20 de
Agosto de 2012
Pessoas
– frescas e lavadas umas (menos), tisnadas e encardidas outras (mais, as
demais) – na manhã mais nova dos séculos, que é a que sempre com o hoje
coincide. Manhã, de qualquer e todo o modo, tão propícia a que cada um(a)
desembarque na sua Normandia pessoal quão qualquer outra. O meu caso não é nem
diferente, nem especial, nem importante. Havendo papéis a tratar, trato de
papéis: estes iniciais constituem sobeja prova dessa irrelevância.
Ainda
não fui ao pão, mas já tomei café na Rita, aureolado da solidão boa dos que se
levantam muito cedo.
À
ardósia da noite faço suceder o giz do redespertar, mecanismo só na aparência
aleatório – e quem me dera acreditar em Deus para que Ele me explicasse o que
isto pode querer dizer.
Dedico
alguma constância, no já-entretanto, à recolha e fixação de elementos
verbo-visuais de inócuo mas benigno carácter, tais como:
um
parque murado em condado inglês;
telhados
cónicos de ardósia verde à maneira franco-escocesa;
porcelanas
de família que os retratos ouvem tinir com nostalgia ancestral;
raposas
correndo como labaredas portáteis;
colações
de carnes frias sobrepostas (veado, javali, lebre, faisão);
mordomos
hirtos como espectros engomados;
criancinhas-bibes
como flores de pano garrido;
terraços
assolados de cascalho de brita e de geada;
arvoredo
frutícola magro e expressivo como o ponto-de-exclamação;
estátuas
de jardim tiritando eternidades frias;
uma
torre de mármore marinho pejada de corvos;
e
a evidência de, com tudo isto, merecer bem já a segunda chávena de café;
Pela
galeria de arcadas da praça antiga (que o município modernizou com discretas
elegância e higiene, aliás) não perpassa já qualquer duquesa de vero pé-di-gry,
muito menos a de Longueville, que Washington Irving fez deslizar em páginas que
foram por anos que não voltam. Passam outras coisas, humanas algumas entre as
quais:
uma
pomba decotada de arrulhante seio;
o
basco aquarelista que vive em um pardieiro auto-imposto;
o
espectro alcoólico do homem que tinha o salão-de-chá na década 50/XX;
uma
gaze de brisa, que refresca os tornozelos aos sentados;
a
promessa de açúcar da única nuvem matinal;
a
veracidade do instante na inverosimilhança da hora à ilusão da manhã;
um
rapaz alto e estreito como um bambu, mas azul;
um
cão careca muito parecido com o Yul Brynner;
a
brisa-gaze revoluteando pelo chão um apelo às armas cidadãs de 1789;
um
homem-valise tipo Regisconta-Aquela-Máquina;
um
par de freiras duplicando o charme da garrafa de champanhe;
e
a evidência de, com tudo isto, se ter feito ocasião para, finalmente e de vez, ir
ao pão.
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