FALA O AMBULANTE DOS GELADOS etc.
Leiria, quarta-feira, 8 de Agosto de 2012
(Porque
um 8 de Agosto mais,
in
memoriam Ruy Belo)
I
Acerba
antifonia taumaturga percute a matina.
Ao
ambulante dos gelados apetece a sede da mulher de branco,
essa que,
de tudo & todos insciente, que de si mesma não,
pousa no
arredor mundo um plácid’ olhar de cão.
Sebáceo mas
discreto, chamo-me Sr. Todavia, chamo-me
Sr. Por
Enquanto Lopes. Ambulo gelados.
A matina é
a clara menina de todos os lados.
Vergôntea
branca, verdece sandálias e coração de jukebox.
Às vezes o
mundo é tão bonito, que nem traz o chorar.
As gajas
são de um violoncelismo glandular.
Eu não, eu
só vendo gelados às crias delas.
Quase nunca
falo com elas.
Todavia
Lopes sou – e Por Enquanto.
Trouxe o
carrinho para e por este canto.
II
Saio de
casa tão cedo, que o frio não foi ’ind’ inventado.
Sou minha
mesma criatura & meu mesmo criado.
III
Altiva
respiração funda é a dos olhos a esta luz,
agora que o
país da tarde quer ser e é eterno,
como aliás
o é também no inverno
passado,
ó-jesus.
Persigo no
pomar da nação a infância do pessegueiro,
enquanto
gelados vendo ao turismo local das criancinhas.
Diverso é o
ter-sido do ora-ser por inteiro,
íntegro
trecho do texto das neblinas.
Ou
nebrinas. Diniz escrevia nebrinas,
ao tempo
das mouriscas fidalguias.
Fez-se hera
a era desses dias,
tudo tão
bons rapazes, doces meninas.
Passeando
por esta Leiria c’a minha Senhora tal,
com ela a
meias amei as ameias do Castelo,
que, a meu
ver, é, como o dela, o rosto mais belo
de quanto
castelo mora em Portugal.
Estou ora
sozinho. Em outra praça, a Graça
(é o nome
dela) assentou e assestou a banca de tremoços.
Salgou-os
frescos manhã ant’alba. Por chalaça,
à
despedida, jurou amar-me o resto & toda a vida.
De modo
que, sopesado o coração,
mimo, sem
que se note, passo de tango.
Sai um Fizz
de limão.
E um
Cornetto de morango.
IV
Feições por
perfeições oferece a tarde periurbana ao quieto ambulante,
que eu sou,
nestas linhas, de gelados, à hora em calma.
Fere um
calor bom. Derredor, primores multiplicam adiante
a unidade
irisada da instância vespertina, cuja alma
vale cada
corpo, por alpestre. Vejo com este rosto sobre esta
bata branca
de ambulante, o boné-Olá na cabeça escura.
Reptam-me
os passantes, que a comprar-me não, nem por festa,
param.
Exagita-me, tanta beleza. Tenho aliás a certeza pura
de minha
ser a contígua circunstância de vivo ao vivo
entre
vivos, espécie de raia dos outros, como todos são,
de uns e
re-outros por um. A influição, como condição,
subjaz à
Cidade em saneamento respiratório, cujo crivo
nem aos
infiéis defuntos prescrever permite. Oragos ermos
de nenhuma
orada, maninhos é tão preciso não sermos,
que custa
deixar a vida não fertilizada.
V
Escarvo o
sustento.
Oxalá não
repugne.
Tentar,
sempre tento.
Tudo se me
une.
VI
Vendedor de
lados.
VII
Quando antigamente
chovia, as árvores
pareciam
mulheres de cabelo molhado.
Álveos
& margens bebiam longitudinalmente.
Acabavam-se
os almegues, a vau não podia
mais ser a
travessia.
Mas tal era
antigamente, quand’ inda chovia.
VIII
Há muito
tempo
(excepto
todas as noites, acamado já, já aleitado)
que não vou
por esses ermos a receber os ventos.
O mais que
faço, tem sido escrever os dias
entre
tascas de arrepio & iguais pastelarias.
IX
Acabo de
ver um cão e uma cadela a fazer amor.
Não à
canzana, mas à humana: de costas
um para a
outra.
X
Agora e na
hora da nossa vida.
Até que a
morte nos compare.
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