30/05/2021

PARNADA IDEMUNO - 417 & 418

© DA.


417

Sábado,

29 de Maio de 2021

    Floresce afinal o Sábado em demora leve.
    Na cozinha, apura-se paulatino o caldo.
    Fi-lo de galinha com arroz, mostra bonita ôlha.
    Coentros já perfumam pungentemente a obra.
    Enquanto esta gaia aventura trepida de emoção, miro panoramas da Austrália. Aquilo é deveras outra dimensão. Os aspectos da Natura são deslumbrantes. Quanto à humanidade íncola, digo nada porque pouco sei, pouco sei desse saber fundamentado que evita a precipitação de juízo. É a terra do Nick Cave & da Nicole Kidman – e de mais uns quantos milhões sem nome de monta. Do cu-de-judas austral, sigo, por assim dizer, rumo a territórios & povoamentos que a memória ainda não obliterou. Aqui há trinta anos, zona de terra vermelha a oriente, mais negra a ocidente. Riqueza agrícola evidente: milho, tabaco, batata, gado pastoril & vacum-leiteiro. Pessoas desses casais: obstinadas em seu labor, na cave do coreto jogavam as cartas (sem ser a dinheiro) aos domingos pela tarde. Tinham Junho por mês da festa anual, cujo orago simpático era – e continua sendo – Santo António. Nestes anos mais recentes, não tenho revisitado a região. Fui lá em Agosto de 2019 – mas para o funeral de um Amigo. Na minha idade, são mais os funerais do que casamentos & baptizados. Não há volta a dar-lhe, a lei é a Lei.
    Meti adentro a canja especiosa. Já escancaro bocejos saciados. Leio o que aconteceu ao casal Ananias/Safira – e que não foi bom, morreram, um de cada vez, por terem tentado ficar com algo para si em vez de tudo darem à comunidade dos primeiros cristãos (cf. Actos dos Apóstolos: 5, 1-11). Tinham vendido um terreno que lhes pertencia. Deram parte do produto da venda, depondo-o aos pés dos Apóstolos. O Espírito Santo não gostou da marosca: morra Ananias, morra Safira. Ainda bem que não tenho terra vendável, só a que os meus pés pisam em andamento. (Mas: “Deus não lhe deu nenhuma propriedade, nem mesmo o espaço para ele pôr o pé.” Isto é Estêvão afrontando as altas autoridades, cf. Actos: 7, 5.)
    Sim, sou leitor há anos da Bíblia Sagrada. Há mais coisas nela do que a minha vã filosofia concebe. É uma ferramenta de poder: é coisa perigosa, portanto, se mal usada. (Em vez de se, será mais curial dizer sempre que – pois em verdade Vos repito que assim tem sido bastas vezes pelos-séculos-dos-séculos.) Não procedo todavia a mais extensa disquisição. Aproveito ludicamente a densidade de capítulos & versículos de um livro velho – e, não-raro, envelhecido como sangue seco.
    Já o Sábado desceu sua seiva mesma toda.
    Talvez um chá melado gasalhe a sonolência.
    Havendo alguns recursos, as horas não ferem.
    Até um dia há-de ser manhã.

418

É decerto ingenuidade esperar que pelo falar nos entendamos.
Talvez alguma vez tenha acontecido – mas entre outras pessoas.
Não te maçarei pois com exórdios nem com epílogos.
As histórias alheias são mais atraentes, talvez concordes.
Um homem apoiado na cerca que lhe delimita a horta.
Para lá é a mata, depois o rio, depois a banda-d’além.
Ele tem toda a vida ligada a esta sequência.
Não lhe ocorreu jamais a necessidade de outro mundo.
A ida semanal à vila é turismo q.b. a seu ver.
Tem a vindima falada com dois vizinhos do seu casal.
Não dá ele por ingénua a fala com que com eles chegou a entendimento.



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Canzoada Assaltante