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Terça-feira,
4 de Maio de 2021
Falhei a sesta, que aliás tente(e)i sem porfiado arrojo. Demasiadas palavras me folheavam, ou desfolhavam, o canhenho mental. Falhei, pois, a mansidão seráfica de ruminante bonomia digestiva – até porque hoje nem almocei. Outras vesperais me acharão adormecido & aforrado da penugem dos anjos.
Quando a gota (úrica) e/ou a pinga (etílica) me não invalida, aquela, e dementa, esta, sempre funciono com razoável prontidão. O caso, todavia, é andar eu admitindo a imisção de sentimentos que me ficariam mal se me caíssem bem. Na verdade, refiro-me mais a ressentimentos que a sentimentos – ou menos a cores do que a rancores. Exemplo: na malograda sesta, recaí na lembrança de certo documentário recentemente revisto. Tratava-se da loucura hitleriana, a qual, por mais mirabolante, não deixou de, primo, comover, nem de, secundo, mover a turba ariana, levando a nação, por seus horrendos actos de 1933 a 1945, massacrando o comum judeu, a dar “razão” à cáfila sionista de 1949, a qual, imitando o algoz nazi (com o tredo beneplácito da Inglaterra & a fraterna cumplicidade de Wall Street), vai abocanhando impunemente a Palestina – ou seja, o (na)Zionism(o).
Ora, este tipo de coisa não deixa um home’ dormir em paz & sossego. Modos-que me levantei, esfreguei as fuças com a água mais funda do poço, aqui estou, ecce-homo mal estremunhado. Não disponho de nefoscópio nem, aliás, de nuvens que estudar possa, não hoje (cf. 323). Remédio? Distrair-me quanto possível. Saber de crimes. Folhear o dicionário (nefoscópio: aparelhómetro para estudar as nuvens, ora precisamente). Mais para menos, anda de mim arredio o apetite. Como pouco – e se calhar mal. À disposição física (que arrasto em uma espécie de sumária neutralidade à la Suíça), vem adindo-se uma emoliente predisposição psíquica: amolecida, enternecida, farrapeira, lambisgótica. Ou seja: nem fasto nem nefasto, antes pelo contrário do avesso. Como não tenho saído para me carrascãozar de zurrapa, ouço muita música: e sobretudo da mais alta de que o génio humano foi capaz, o que me leva de Bach a Scott Walker & me deriva de Vivaldi a Amália Rodrigues.
(E fatacaz é pedação, grande bocado, é tracanaz – na figuração idiomático-popular, é grande paixão.)
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Uma megacarrada de granizo abateu-se a meio da tarde sobre Manchester (por invertida antonomásia, a Covilhã inglesa), cujo City recebe hoje o emblema francês do PSG. O relvado semelha um olho com belida – ou albugem, ou glauco de nublosa catarata. Há jogo na mesma, andaram funcionários limpando o rectângulo de quanta saraiva puderam. O resto, que o limpem as solas daquela milionária rapaziada escoucinhante.
Outra coisa:
Vi há muitos anos no parque-jardim da Cidade um senhor passando – era o doutor Diocleciano Mercier da Veiga, estomatólogo que praticava também o seu verso. Eu era rapazito, ele era velho. Recordo a silhueta do senhor, lenta animação a preto-e-branco rodeada de pombas cinzentas. Ele trazia sempre um ágape às aves.
Era manhã muito clara, semelhante a um peristilo de mármore acabado de esfregar por possantes mulheres ajoelhadas. Sim, era um diáfano dilúculo – tenho aqui o dicionário, que não me deixa mentir. O doutor-poeta D.M. da V. morreu no mesmo outono em que ingressei no Liceu da Infanta Dona Maria – 1979. Já ninguém se lembra nem dele nem do que rimou. Não faz mal. Nem eu faço, juro-Vo-lo por a V.ª saúde.
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