20/05/2021

PARNADA IDEMUNO - 375 a 377

© DA.


375

Quarta-feira,
19 de Maio de 2021

    Joca Malafaia de Babos Biscaia, veterano da Sociedade de Geografia, autor de opúsculos versando ecléctico saber em viagens ferazes assimilado: agricultura japonesa, ilhas gregas, Tartagal de Salta, norte da Noruega, Argélia interior. Já não viaja, é doente renal, tem-se aguentado com cuidosa dieta & farmacologia apropriada. Manhã muito cedo, no Café Central Nau, toma o abatanado, o copo de água morna, vai para a Biblioteca Municipal, de onde sai às onze & meia para ir almoçar a casa. Maria dos Anjos tem tudo mais que pronto. Governa-lhe o lar há quase cinquenta anos. Nunca se casaram. Ele continua a pagar-lhe o salário, que ela empilha no banco. Nunca, sequer por uma meia-hora, partilharam leito. Fizeram-no de pé na cozinha algumas vezes, deixando de fazê-lo a partir de 1983. Vivenda de dois pisos, com açoteia no superior. Em segredo subsidiado pelas ausências dele, é na açoteia que ela dele mais se orgulha, ali folheando, sem as ler jamais, as opusculares & crepusculares viagens do patrão da sua vida. Tem-no agora para si a tempo íntegro. Depois de almoço, finge forçá-lo a um passeio pedestre de um quarto-de-hora pelo jardim municipal, a dois minutos de casa. Depois, aconchega-lhe a sesta, que ele cumpre até dadas as quatro. A Grande Fome Irlandesa. A Possibilidade Alienígena. Os Cárpatos. O Desastre de Gallipoli. Florence Nightingale na Crimeia. A Nascente do Nilo. D’Oc & D’Oïl. Lot & Garonne. Folies Bergère. O Andaluz. Pascoaes, Marão & Tâmega. Roma & Pavia. Orizicultura & Miasma Infeccioso, Grip’Espanhola & Verdun. Espinoza & Óptica. Lagos da Suíça. Foz do Mondego. Tantas infinitas coisas por & para conhecer. A vida é pouca para tanto a-saber. Que pena não se poder continuar-no-próximo-episódio.

376

    Figuras obscuras em hora não mais que elas clara. Em movimento-perpétuo, a massa humana suja quanto pode. A deformação moral parece fatalidade, inocentando os conspurcadores. Não é tal – mas dá-se à parecença.

377

Papéis azuis no mostrador da recepção.
A recepcionista veste-se de branco-marfim.
A cidade é pequena, a vida não é eterna.
Julga-se mais do que se reflecte.
Abusa-se como sendo o normal em uso.
Rarefaz-se a comunicação embora melhores as máquinas.
Há mais instruções do que Instrução.
Mais conhecimentos do que Conhecimento.
Mais sabichonice do que Sabedoria.
Pode demorar uma vida a postergar uma vida.

Vi os papéis azuis, trouxe um comigo.
Lista atracções recreativo-culturais para Junho.
É um papel para o futuro, portanto.
Não digo o mesmo deste que ora escrevo.

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Canzoada Assaltante