© DA.
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Sexta-feira,
14 de Maio de 2021
Em mansidão, o refluir para o Oblívio acontece sem estardalhaç’aparato algum. Vou compreendendo a lisura com que tal aconteceu às gerações prévias. A passagem é pura praxis, não já tão-só remota fatalidade (a do só-acontece-aos-outros).
A televisão mostrou alguns aspectos públicos de Arganil, terra que me é doce por biografia-em-estante. A seguir, acabei a leitura de boas páginas dedicadas a Eça por António José Saraiva.
Mansidão, como V. disse.
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Sei que me repito mas sei também que tenho toda a razão – com duas palavras apenas, demonstro a inexistência de Deus & a patetice que qualquer religião é:
Leucemia Infantil.
Agora, ide em paz.
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Anthony Braxton andou hoje por esta casa. Luz oblíqua na divisão da máquina. Penso: Para Fradique Mendes, faltam-me tão-só o dinheiro & o talento; tirante esse par de coisas, nada me falta de fradiquista-militante. Não vou resolver o mundo, solvê-lo sim – em semiobscuridade, escutando agora, terminado o bom Braxton, o bom Berlioz. Nenhum COVID’óbito nas últimas 24, ao que dizem. Amanhã, há Benfica-Sporting: contaminação macacal em perspectiva.
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Aqui há tempos, fulano disse:
– Tenho ricos livros em casa, adoro às vezes sentar-me na sala a desfolhá-los.
De vários que o ouvíamos, disse eu:
– Tenho pena disso.
Banzado, ele assim para mim:
– Então pena porquê? Não gosta de livros?
E eu assim para aquele pobre-de-deus:
– Gosto muito – por isso é que lhes não arranco as folhas. Ora experimente assim: (…) adoro sentar-me na sala a folheá-los.”
E ele matou-me:
– Já vi que você é um purista. Prevejo que não vá muito longe assim.
E é que não vou, fulano tem razão. (E não sei se ele disse prevejo, se percevejo.)
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Por falar em livros, dei-lhes hoje outra volta boa. Fiz coluna dos a-ler seguintes, feitura que me prognostica um Maio bom. Por falar em Maio, fiz outra coisa – mas esta, pela primeiríssima vez na vida: um autoagendamento pela internet. Bimba! Como estou no escalão etário “Acima-dos-55” , pude enfileirar-me para a famosa vacina-xpto contra o bichinês-covídico. Fiquei autoagendado para 25 próximo. Pareço uma pessoa como os outros velhinhos. Finalmente, carago, finalmente.
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O Muro-de-Berlim não caiu – foi empurrado.
Há que ver as coisas como eu quero: as coisas & o ver.
Descuidemos porém tal egotismo oftalmológico.
Prefiro ir ora por a recordação de um homem com quem conversei poucas mas preciosas vezes na vida. Ele já não existe à face da terra, só anos depois tive notícia do seu passamento, ainda hoje me é penosa tal nova & pungitivo não o ter homenageado em o seu funeral. Ele era de uma prosa-falada muito clara. Exercia uma gramática limpa como a chuva do Verão & a rosa de Janeiro. Tenho muitas coisas, por ele ditas, em constante companhia – também, ou sobretudo até, quando escrevo. Recordo-o aqui & agora em V.º benefício, pois que muitas são as ocasiões em que o recebo em casa, o levo pela rua, ouvindo-o, retribuindo-lhe a razão do que diz, continua a dizer.
Ainda bem que o evoquei, pois já me preparava para repor na caneca o lápis deste dia. Roçamos já, com efeito, lápis & eu, a meia-noite. Instaura-se-nos o sábado, dia que era antanhamente o meu favorito. Agora (julgo tê-lo dito já a Vossas Senhorias) todos os dias são domingo: por desemprego, por pandemia ou por poesia, são domingos os meus dias. Não estou a queixinhar-me. Estou tão-só a atirar o barro de alguma lucidez à parede de algum espelho.
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