SPIEGELSCHRIFTZETTEL
VON KASPAR HAUSER ou COISA ASSIM
Leiria, tarde de segunda-feira, 20 de
Agosto de 2012
Um calor estagnado de aldeia tomou conta da
Cidade pela força da tarde. O resplendor é quase malsão. A fervura do ar faz-se
vidro nos olhos, hialurgia de que resultam miragens suadas. Os desempregados
partilham com os aposentados bancos e sombras que a publicidade silenciosa dos equipamentos
municipais dispõe com razoável cópia. Um rapazelho futebófilo equipado à sueca rechupa
com ruído um refrigerante de cola. Um woodstockiano sessentão passa de mochila
à sherpa nepalês e sandálias marroquinas, deixando para trás um cheiro cueiro a
SG Filtro made in Marraquexe. Vale-lhes-nos a todos que uma brisa quer
melifluar-se-ir-se pelas galerias, fremitando electricidades boas ao arrepio
das nucas suadas. Os prédios recebem no rosto o chapão solar, que marreta
implacável a obstinação da pedra. Das pombas munícipes, nem pio nem arrulho:
dormem sestas altas nos frisos mais sombrios das sobrelojas e das mansardas. A
fonte dos repuxos não repuxa – e a quietação infusa da água domesticada lembra
o mais chilro caldo que a febre faz tomar. Uma mulher africana atravessa a
praceta como um S. Sebastião sem flechas. Já o asmático de Marrazes infla
haustos de espuma à vacilante beira do colapso. Eu, nem uma coisa nem outra.
Eu vim à Rita cafeinar-me e tomar conta das
ocorrências tristonhas do Correio da Manhã:
facadas, rixas, agressões, afogamentos, cannabis, Madeira/Jardim, porrada
doméstica, ciganices, furtos de cobre, aumento dos combustíveis, esticões,
farmácias, multibancos à botija de gás, preço do pão, da luz & da água,
velhos caídos para a lareira, velhas mortas em casa na solidão de muitos dias
muitas décadas, violações, Governo, pederastias & pedofilias & casas
pouco pias, aludes de arribas litorais, PR, desaparecimentos, brasileirices
“ortográficas”, fogos-postos, postos da GNR, greves, manifs e touradas e
socialites e CR7 e Algarve: tudo coisas que, emanadas e irmanadas ao calor,
abafam, sufocam, estrangulam e estrafegam. Ao cabo da leitura do diário,
portanto, fico feliz da vida porque tão à margem e à lonjura dela.
O melhor da leitura do jornal de cada dia é
(para mim é, sem dúvida alguma) o topónimo português. Anda sempre comigo um
caderninho de capas pretas e duras. Nele recolho alfabeticamente as pérolas que
fixam, indicam e sobrevivem os lugares da terra-pátria. Alguns? Alguns:
AFONSOEIRO
(Montijo)
BAIXO
SABOR (Mogadouro)
CASAL
DO COTÃO (São Marcos, Sintra)
DELGADA
(Roliça, Bombarral)
(onde se demonstra, à saciedade como à
sociedade, que a delgada pode ser roliça – e pronto)
ENVENDOS
(Santarém)
FISGAS
DE ERMELO (Mondim de Basto)
GEBELIM
(Alfândega da Fé)
(nos últimos tempos têm-me faltado entradas
para o H)
ITÁLIA
(Louriçal)
JARDIM
DA CORDOARIA (Porto)
LONGRA
(Tomar)
MALHOU
(Alcanena)
NANDUFE (Tondela)
OLALHAS (Tomar)
OLALHAS (Tomar)
PENDÃO (Queluz)
QUIAIOS (Figueira da Foz)
RETAXO (Castelo Branco)
SALTO (Chaves)
QUIAIOS (Figueira da Foz)
RETAXO (Castelo Branco)
SALTO (Chaves)
TALA
(Belas, Sintra)
ULME
(Chamusca)
VALE
DO OLHO (Leiria)
(há poucas por X, agora não vou pôr aqui
Xabregas)
e
ZOUPARRIA
(a do Monte como a do Campo, Coimbra).
Assim entretido, de mim não vai mal ao
mundo nem dele a mim mal vem. Escolhi uma flanela de sombra arejada que permite
o suporte fora da hora (16h35m).
2 comentários:
Sou fâ
Sou fã.
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