Souto, Casa, madrugada de 18 de Fevereiro de 2010
Sou da noite como és da manhã
Cão e ave respirando o frio
Entre aves e cães ao mesmo ar
Longe todos do haver nascido
Rumo todos à unção extrema
Ao sol e ao solo também extremos.
Perto de nossa casa uma macieira
Arde geada em dura formosura
Passo a pé e vejo portas abertas
Dentro mulheres lidam a vida em silêncio
Gatos subidos a varandas miram o presente
O eterno presente dos gatos sem futuro
Sem passado sem remédio nem dor.
Sou deste corpo como és da tarde
Tripulantes ambos da absurda nave
Presas e predadores da roda-viva
Umas vezes na cidade outras no campo
Colhendo do céu a cal voadora das cegonhas
O carvão envernizado das andorinhas.
No nosso país estoiram por vezes
Oficinas de pirotecnia
Ser parolo por vezes mata
Não tenho outra palavra para dar
Ser parolo por vezes mata
Capelinhas e santinhos foguestejados
A rabo-de-lume incendiário de matas
Por vezes matas.
É quase tudo muito triste quando
Se pensa em quase tudo
Sobretudo pensar é muito triste
O país a saque dos abutres financeiros
O país dos imbecis que os elegem
Foguetórios em Agosto e Cristo no Natal
A pé para Fátima como galinhas de colete à GNR
É triste sofrer por eles o Camões e o Brandão.
Ainda há pouco te reconheci
Que isto dos versos é uma treta
Não põe sopa nem pão na mesa
O mais dos versos é tristeza
Não acende o lume não adianta
Às vezes até atrasa
Mas que formosa é a enregelada macieira
Perto de nossa casa
Que formoso o lidador silêncio daquelas mulheres
Como tu.
2 comentários:
"Ainda há pouco te reconheci
Que isto dos versos é uma treta
Não põe sopa nem pão na mesa
O mais dos versos é tristeza
Não acende o lume não adianta"
Certeiro. E o pior é quando
não se pode, como dizia o Sá-Carneiro "morrrer na clínica, que o meu pai pagará". Não é bem assim, mas é esse o sentido.
Abraço
Vale que os versos me têm trazido amigos preciosos como tu, Manel.
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