05/02/2010

Rosário Breve nº 141 - www.oribatejo.pt


© Emmet Gowin – Nancy Twist, Danville, Virginia, 1969





Olhó bebé a 200!


O Governo de Lisboa prepara-se para comprar os bebés portugueses a 200 euros a cabecinha. Já há frisson nas ginocomunidades marroquina e brasileira radicadas no nosso torrão pátrio. O meu problema é este: como a minha Mãe já vai na segunda infância dos 85 anos feitos, não devo receber grande coisa por ela.
Ouvi dizer que a Madonna paga mais por cada rebento africano que se lembra de adoptar em ademanes de cristianismo o mais puríssimo e desinteressado. Mas o orçamento da Madonna dá sempre lucro, ao contrário do rol de mercearia do Estado Tuga. Ora, pedir às pessoas que façam filhos a 200 é como esperar que o ministro das Finanças acerte na taxa do défice público. Por uma, porque as pessoas já há muito que fazem de borla a filharada. Por outra, porque o ministro das Finanças, mais cêntimo menos cêntimo, menos vírgula nove mais ponto dezassete, também há-de ser filho de alguém.
Nada disto, lamento mas não, me comove. É como acenar com um cheque-dentista a um gajo que usa placa desde os quinze. É como pedir ao Pedro Barroso que não faça canções gordas. É como chegar a Fátima e tentar levar as pessoas a reflectir peregrinamente sobre o totemismo segundo Mircea Eliade ou sobre a angústia dos desempregados de Setúbal que apesar de tudo rezam para que o Vitória não desça.
Nenhuma destas coisas parece ter uma importância por aí além – e de facto não tem. São coisas de que me lembro para preencher esta coluna irremediável de última página. Um bebé a 200 euros à nascença ou um Governo gratuito que nos fica pela hora da morte não são importantes.
Importante era ter escovado sempre os dentes de modo a evitar a prótese ortodôntica. Importante era que cada homem e cada mulher se amassem sem o terror de a Madonna aparecer com o saco para lhes colher o carnal fruto. Importante era que Lisboa se fosse embora e nos deixasse em paz na cama com a dentadura acrílica a repousar no copo de água da mesinha-de-cabeceira, ao lado do transístor atormentado pelo lirismo oleaginoso do Pedro Barroso.

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Canzoada Assaltante