Souto, Casa, noite de 8 de Fevereiro de 2010
CATENÁRIAS:
primeira palavra perigosa que conheci.
Desde esse fundo então, tenho colectado tantas outras quantas as maravilhas a cada uma atinente. (De que, pois, é cada uma tenente.)
Fulgor. Carme. Verruma. Nardo. Escarlatina.
Sevícia. Filiforme. Anexo & Anexim. Bulimia.
Borato. Anão & Anião. Doente & Duende.
Tosse. Anacoreta. Jugular. Catenária(s).
Confesso-vos sem rebuço nem pudor donzel a minha felicidade canina com estes ossos vocabulares. Sou feliz por palavreado. Palavra-de-honra-que-sou.
Elas dão tudo e para quase tudo. O quase que não dão – é uma chatice, mas não suficiente para torná-las precárias. As pessoas serão precárias – as palavras, não.
A formatação íntima da cabeça é toda língua. Não só a boca é plena de língua, a cabeça também. Penso isto, logo digo-o. Digo-mo-vo-lo, logo penso.
As epifanias glossianas são a música que posso. Mais até: que não posso sem. Algumas, já? Ei-vo-me-las:
Rua de Santa Tereza, um Outono, folhas de árvores-livros revoando o chão que sobe.
Mulher debruçada sobre galinha que vai matar: o alguidar azul-parado, a rápida faca rápido vermelha.
O favo de mel de uma sílaba em garganta amada.
Caligrafia aérea: aves rumo ao sul em céu de papel.
Bar de madeira, projectores vermelhos na linha de garrafas, guinadas de ar frio a cada entrada, Bobby Darin baixinho na rádio, poster da Loren ao lado do caixilho do Benfica 1958-59, o senhor Baptista jogando as damas com o senhor Eurico, os copinhos de ginja irmãos.
Mulheres marroquinas penumbrando o vento da tarde, sobre fundo de dunas sem mar.
Homem triste rindo-se no cinema quase vazio: Chaplin, Hopper, os filhos crescem e esquecem-me.
Escrevo, olho para o lado, assobio baixinho como se fosse o malogrado Darin, a vela treme como uma pessoa friorenta, tudo tão bonito, tão perigoso, tão vivo, tão Chaplin e tão Hopper.
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