Souto, Casa, noite de 22 de Fevereiro de 2010
Um sentimento, apesar de tudo (que é sempre quase nada), de pertença – de pertença até à passagem. Algo assim passa pela cabeça de Coralina Reis, que aguarda o carro conduzido pelo segundo marido dela – e ela espera dele que seja o último – junto à torre do relógio que se ergue há cinco décadas ante o areal da cidade marítima. Muitos funcionários públicos se enganaram já, chamando-lhe Carolina nos documentos timbrados. Mas é Coralina – e Maria e Santos e Reis. Já foi Almeida do primeiro homem mas deixou de ser. A chuva é diagonal, mas o tejadilho da paragem de autocarros protege-a da intempérie. O entardenoitecer de Inverno não a caçou desprevenida. À saída do trabalho, tomou chá no Avenida, comprou pão para o jantar. Agora, junto à torre do relógio, sente-se pertencer. Gosta do que passa: os matrimónios reunidos em carritos iguais, os edifícios resistindo como podem à ocasional insensatez das tormentas, o vermelho-lacre do farol velho, a sebe que delimita o Tennis Club do tempo dos Ingleses, os alcoólicos sociáveis em mesas separadas na cervejaria-marisqueira. Coralina e o segundo – e esperadamente derradeiro – marido trabalham em turismo. Têm uma agência de viagens. Abriram há poucas semanas uma sucursal. É de onde há-de chegar Mário Pinto Garção Finca, homem capaz de gerar em Coralina um sentimento de pertença, mais até do que à passagem.
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