20/02/2010

Um Pouco da vossa Democracia e dos meus Viadutos

Souto, Casa, entardenoitecer de 20 de Fevereiro de 2010




Um pouco do meu tempo, um pouco da minha sombra,
um pouco da minha sombra mais do que a minha palavra
revela o tempo que terei sido até ser, gosto das asas
das palmeiras dando súbitos egiptos nas praças portuguesas,
chega a ser ternurenta a ligeira, leviana até, desimportância
das nossas existências, coleccionadores de cavalos de cartão,
de rolhas de plástico, de línguas mordidas por distracção,
em motéis largamos o visco de insensatos namoros sem amor,
esquecemo-nos de vós por viadutos à hora rumorosa da noite,
temos carros fraquitos e dentes débeis e vontade de rir,
em sítios alaranjados a música atira concêntricas pedradas
ao veludo aquoso dos cálices, de um momento para o outro
os gajos têm todos cinquenta anos e as miúdas circunstantes
nem trinta ainda, de que tempo meu lhes falaria, com que
sombra.


À roda dos bairros antigos, as genovevas madressilvam,
de monturos de lixo brotam as ratazanas poéticas da cidade,
todo o merdaniguém se bota a fazer modernices zecafonsinas,
de quarto em quarto de hora há uma amália nova, o vereador
da cultura dorme com a mulher do pintor municipal,
as filarmónicas tangem o gado católico de quinze a quinze dagosto,
os professores fazem-se grupos etnográficos pela menandropausa,
os engraxadores e os taxistas se pudessem salazaravam tudo outra
vez, não é fácil ser uma sombra que se sabe sombra,
ao entardenoitecer, não sei, Cavafy ronda os barcos, Frank
Lloyd Wright procura um canto com lume e uma chávena de chá,
o problema não é ser triste, o problema é a mentira cornuda
dos donos da bola, dos idiotas da classe minetando a vaca estatal
à força toda, é tanta falsa amália, tanto zecafonso espúrio,
tanta bastardia lusófona, tanta telenovela, tanta merda, tanta
democracia.

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Canzoada Assaltante