Souto, Casa, tarde de 2 de Fevereiro de 2009
I. CAUSA
Por que causa é tão luminosa mas tão veloz
a infância?
Por ser uma eternidade
à velocidade
da luz.
II. A MÃE
A mãe despovoa a estrada interior que leva ao mar.
Ela não pode mais, a mais não pode ser obrigada.
Ela trouxe todas as cerejas que pôde, agora tenta dormir.
A mãe apascenta agora as crianças fantasmáticas,
os filhos devindos fantasmas.
A mãe agora tem filhos pela nuca.
A mãe não sabe já onde guardou as navalhas.
Batem-lhe à janela as ruas cicatrizadas, ela pensa
que é à porta que batem, vai atender, não é ninguém.
A mãe é branca como a ovelha, ó velha ovelha mãe.
O último lobo ronda-lhe a janela, não descobriu,
ainda não, a porta da mãe.
É inútil procurar a mãe nos cafés da província,
nos da cidade muito menos, a mãe reentrou de vez.
A mãe dá golpes de alumínio no ar que chove.
Ela prolifera de humidade na cama dos pinhais.
A mãe é de uma qualidade florestal que assobia.
A mãe não é um exclusivo da civilização ocidental.
A mãe babuja sombra pela boca da manhã.
A manhã já foi já não é o país declarado pela mãe.
Foi-se fazendo noite, é o que é.
Ela trouxe todo o peixe que pôde, agora medicam-na.
O ADN das nebulosas coincide em espiral com a mãe.
A mão da mãe encarquilha-se na areia como a estrela-do-mar.
A mãe é para sempre copiosa.
Quando enrijece de frio, a mãe madona-se toda.
O sangue da mãe chama o lobo pelo nome do lobo.
A mãe é branca como a ovelha.
A mãe nunca pode ser uma mulher diferente.
A mãe é onde.
Ela usa telepatia com os retratos da sala.
Ela começa a ser a trança da avó no psyché.
Os pés da mãe são tripé-de-galo.
A mãe escreve cartas que fotografam.
A mãe é 0 que assimilou o pai.
A mãe é mãe do pai.
A mãe faz pais.
Agora a mãe não pode mais.
Na casa sublinhada pelo ribeiro está a mãe.
A casa sublinhada pelo ribeiro é a mãe.
O tempo faz de vento que traz e leva a mãe.
A mãe traz e leva o tempo ao vento.
A mãe traz e leva o tempo ao filho.
O filho é mais e mais fantasmático na mãe.
A mãe é caudalosa para dentro.
A mãe é caudalosa para dentro da nebulosa.
A mãe cauda-se toda em espiral.
A mãe vigia o frigorífico como um técnico de partos a frio.
A mãe usa telepatia com o frigorífico.
A vocação da mãe era o lume, mas a neve.
O lobo na neve procura a porta.
A mãe é o sentido do borda-d’água.
Ela faz de agonia e de cosmogonia.
Há mais habilitações na mãe do que fora da mãe.
A mãe frita sardinhas num outono oblíquo.
Bate-lhe à janela a cicatriz do inverno, ela não ouve.
A mãe já não ouve senão para dentro.
A mãe está outra vez a ser filha, agora.
A mãe tem medo que o pai dela não goste dela.
A mãe da mãe não gosta da mãe.
A mãe da mãe está na gaveta de baixo do psyché.
A mãe é o nome que o ar tem na chuva.
A mãe já não sabe tudo sobre os animais.
As plantas sabem tudo sobre a mãe.
O chão das plantas é o chão de toda a mãe.
Quanto mais chão, mais mãe.
Mais mãe quão mais planta.
Quão mais animal.
Quão mais espiral.
É inútil procurar a mãe na província dos cafés.
A mãe não pode trazer mais peixes, mais cerejas.
A mãe toca o ribeiro como uma flauta de água.
Ela reentrou na casa onde os retratos ardem neve.
O lobo e a porta são magnetos.
A mãe é o mapa do coral.
A mãe só é mãe se for o mapa do coral.
A mãe sabe como se constrói uma laranjeira.
A mãe é mãe porque ensinou a construir a laranjeira.
A laranjeira assinala a estrada para o mar.
III. COMO CONSTRUIR UMA LARANJEIRA
É só usar velozmente a luz.
3 comentários:
ando a ler o seu livro....
(com Anjos)... e encontro.O aqui?
cumprimentos.
e passam anos luz de felicidade quando o leio... beijo, daniel.
Belíssimo poema.
Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO
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