26/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 675 & 676


 

675

Domingo,
25 de Julho de 2021

    Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, nascido em 1936. Tinha 84 anos. Fica associado à euforia do 25 de Abril de 1974 – e a algum rasto deste no quase meio-século entretanto volvido. Tem lugar na História de Portugal.
    Depois, a exposição florícola, grassando no ar a música de Debussy. Espécies balsâmicas – primeira das quais, a infância, essa estufa dificilmente fria. Velhas vêm abelhar os capitosos olores da mostra floral.
    Panóplia/cornucópia de imagens afinal serenas.
    O homem de longos cabelos & longo manto, dourado tudo, longa obra tem (ainda é vivo) mostrado. Há tempos vi-o & escutei-o perorando sobre Vivaldi. No curso do discurso, ei-lo em Veneza, et situ et in loco.
    Imagens de Otelo, algumas de fresca antiguidade. Algum(a) de Vós atirou alguma vez uma ditadura ao chão? Ele atirou.

676

    A morte de Otelo causa-me alguma melancolia, no corrente indiferente anónimo anódino domingo. Não é tristeza – é antes tristura. Em certa época, a aura de herói modesto assentou-lhe bem. Depois, a voragem da realidade atordoou-o um bocado. Salgueiro Maia operou de melhor modo. Ambos merecem retrato em lugar destacado na Galeria Portuguesa.
    Na mesma, vivo. Fora, o dia andou em cinzenta paleta. Parece ter chovido, não vi, enfronhei-me de papeladas próprias. No plano áudio, girou na máquina uma tal Fake Music for Travellers, que me agradou sem esforço. E tenho mais T.S. Eliot. É preciso nunca esquecer que a ditadura atirada ao chão por Otelo, Salgueiro & mais um punhado de homens a sério – está na origem da minha liberdade de escolha, opinião, escrita, vontade, acerto & erro. Expressei-me equivocamente. Refaço: é por ter sido atirada ao chão a ditadura que V. & eu podemos usar a cabeça & a boca & as mãos & os pés. Assim é.
    Parece que a 15 & 16 de Dezembro de 1972 (sexta & sábado), e no âmbito do Close to the Edge Tour, os Yes encantaram a(s) plateia(s) no londrino Rainbow Theatre. Há registo dessa presença feérica, desse sortilégio capaz de resistir aos anos. Digo isto: ainda bem que os guardei (aos Yes) para velho. Ter-me-ia escapado muito detalhe precioso na moça idade. Sou mais apto agora a decantar a música desta banda. Acho eu. Entardenoiteço, pois, com eles em 1972/2021. Sim, é possível a justaposição. Desligado, exilado, ostracizado, o televisor não grunhe. Não me interessa a fantochada olímpica deste ano anacrónico logo à nascença.
    E por falar em anacrónicos à nascença: fiz as minhas contas. Estou aqui sozinho, por tal são minhas as contas. E cá vão: se eu viver o mesmo número de dias (28.138), de semanas (4.019), de meses (924) e/ou de anos (77) que o senhor meu Pai viveu, então estico pernis a 22 de Maio de 2041. Não é mau: tenho para mais vinte anitos (menos dois meses & três dias). Agora, se conseguir os números da senhora minha Mãe (31.538 dias; 4.505 semanas; 1.036; 86 anos), então abro a boca para já não fechá-la no dia 12 de Setembro de 2050. Ou seja: na primeira hipótese, arrefeço a uma quarta-feira; na segunda, a uma segunda-feira. O mais certo, todavia, é errar estas duas datas – que a certa esteja, ao menos, entre uma & outra, como de entre outra & um nasci afinal.
    Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho viveu 31.009 dias, 4.429 semanas, 1.018 meses e/ou 84 anos. De todas estas cifras, sobressai a de 25. De Abril. Sempre.

3 comentários:

Patrícia Cardoso disse...

676

Percebendo-se perfeitamente o sentido, penso ter-te escapado "semanas", ali nas contas, por ti precisamente feitas, às vividas terrenamente por Otelo. Agradeço-lhe novamente e sempre, como a todos os outros implicados, à medida das contas deles.
E a ti...

PC

Daniel Abrunheiro disse...

;)

Daniel Abrunheiro disse...

Obrigado, Patrícia. Toda a razão. Vou emendar o lapso.

Canzoada Assaltante