© DA.
601
Movimentos singulares são o que mais cativa a minha atenção.
Desde menino que sim, por alguma razão de meus miolos.
O recurso ao verbo cativar tem alguma coisa de petit’princ’exupéryano?
Pode ser que tenha, agora que releio o primeiro verso – pode bem que sim.
Movimento buco-facial da pessoa que vejo (mais do que ouço) falando-me:
cativa-me o como diz o que diz, mais do que o quê ou o porquê.
Como os lábios ondulam, como os dentes chispam, como fremem as sílabas.
Como os maldosos se espalham de imediato: entre sobrancelhas & narinas.
Como os ingénuos se desnudam por inconsciência de sacrifício.
Como o silêncio-voluntário pode relampejar o mais fragorosamente.
A boca da meteorologista ameaçando caloraça quarent&talcentigradeira.
Os olhos do rapaz acometido de síncope em pleno relvado desportivo.
O desenho das letras publicitárias que emolduram o recinto.
A homossexualidade privada ser tão diversa da paneleirice-em-desfile.
O profundo vácuo chamado sentido-da-vida, toda ela, sob este céu.
Ainda assim, tudo apalavrável, digamo-lo assim, ainda que assim.
Singularidades cativantes, enredos na aparência quietos.
Paixões assolapadas que, uma vez assoleimadas, se assamaram.
A rapariga dinamarquesa beijando o beija-flor: redundância, pois.
Essa belida chamada crescente-esquecimento – de mim por ti, sim.
602
Apareceu de lábios lacrados a verde, cosmética de pretensa irreverência – afinal, de muito mau-gosto apenas. Era às portas da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Uma segunda-feira. Eu tinha ido às Letras tomar café, torrar um pouco a saudade de ali ter sido feliz entre 15 de Novembro de 1982 (segunda-feira) & 22 de Maio de 1986 (quinta-feira). Café tomado, fumado cá fora o cigarro, dei de caras com a tal boca esverdinhante. Pertenciam tais beiças a um carão fêmeo de má-catadura aparente – mas só aparente, pois que Alice Amélia Rebordão Gamarra se me revelou um açúcar-de-pessoa. Eu lia então a tese de Pierre Nordon sobre a vida & obra de Arthur Conan Doyle (Sir). Ela investigava os anos macaenses de Camilo Pessanha. Conhecemo-nos, simpatizámo-nos, tornámo-nos amigos. Depois de desesverdear a boca, casou-se com um hidrómetra de ricas (mas não boas) famílias. Eu também me casei nos entretantos ulteriores: primeiro, com Maria da Glória Sanjoana Temuda; depois, com Maria da Anunciação Teles Braganza, Maria do Patrocínio Galvão Charneca, Maria do Lado Basílio Noronha, Maria da Nazaré Sanjoana Temuda (irmã mais nova da minha iniciática) & com Maria do Sumiço dos Santos Abrunheiro, tenda esta última – o mais felizmente – feito jus aos nomes-próprios seus, pelo que aqui me revejo, e me V. como tal apresento, solteiro & muito bom rapaz.
(603)
(Acabo de perguntar a mim mesmo se o que escrevo nestes tantos cadernos tontos não poderá um dia – naturalmente póstumo no que me concerne – ser reunido sob o título, aliás justo, de Sobras Completas.)
(604)
(Não penso responder ao exposto no 603.)
605
Uma coisa é fazer, das tripas, coração.
Outra é fazer, das mesmas, miolos.
Eu é que bebo mas és tu a ter mais-fígados.
E sim, amores perfeitos, só os há, e com hífen, na Botânica.
Vai, por isso, ao produto do que pensas.
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