19/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 656 a 663

© DA.



656

Domingo,
18 de Julho de 2021

Figuras masculinas de gardénia à lapela
Cavalheirescamente viris em ronda
Través o pungente odor a resina do desejo
Vejo-as passando em sonhos mulheris.
E aspiro de tais sombras o rasto de anis.

Na mata entre páginas iluminadas
Aves pontuam livres a quietação
Da lâmina de água fulge clarividente
A cegueira forte, a paixão dominada.
Damo-nos a tudo, que nos troca por nada.

Com leite prometido a folha de mármore
Espera a jazente calmaria. Calma, Maria,
que ninguém nos tira a vez, nem à meia-noite
ao luar, José. Esparadrapa-se-nos o dizer?
Há que insistir, persistir – tem de ser.

657

É verdade que prefiro escutar a falar.
É mentira que eu seja surdo.
Absoluto é relativo, relativo é absurdo.
Cada um só cabe em si, ’té pode sobrar.

(658)

    (Sem lograr lugar ou lagar alternativos, revirei-me de avessos que nem sabia a direito tivesse.)

659

Não me bata, que eu leio Kawabata.
Não V. bastava um Bergman-Kurosawa?
Oh sobretudo, ó malta tão porreira,
não me chagueis com o Manoel de Oliveira.

660

Rasto inumerado
Rosto inominado
Resto ilibado.

661

    A Natureza aleija quando se vinga.
    O que temos visto? Fogo-água-terra – tudo sufocando ar.
    Os alegres rebanhos cagam no prato de que comem.
    É então que a Natureza aleija. Não magoa – aleija a doer.
    Aparecem no visor os noticiários, as caras-de-gesso.
    Isto na Alemanha, na Austrália, na inefável Califórnia.
    E de nov’-outra-vez-&-sempre na Serra de Monchiqu’etc.
    
    Não penso vender livros à gentalha, a poluta tribo humana.
    Dou os meus papéis em pão & arroz aos volantes.
    Uma rapariga-TV também anuncia a nova-literatura.
    Como quase/tudo/XXI, é de plástico que ela fala.
    De plástico – e de cor (còr). Não é antipática.
    Não é que seja antipática: faz tão-só frete às máquinas.
    As máquinas-editoriais às outras máquinas iguais.
    Antes aquilo da Corín Tellado, da Odette de Saint-Maurice, da Maria Roma, da C.F. Alves.

    Mas chega de liter’amargura. Desce o fresco do entardenoitecer sobre esta partida do mundo. É bom. É bom por enquanto. Por enquanto, nem incêndios desenfreados nem dilúvios sem arca nem pomba por aqui. Por aqui, só a vaga dolência (a que os analfabetos chamam poética & a que os sensatos chamam nada), a vaga dolência, dizia, dos sinos que dobraram por ofício & salvação da esposa de um senhor Lopes, lá nos dormitórios mais ou menos novos que fizeram na zona do senhor Valdemar, mais ou menos, onde eram os canaviais, pronto. Não, voltemos mas-é à liter’amargura. Voltemos:

    Se eu não tivesse, como tenho, Filhas
    & o mundo não teimasse em fazer mais crianças
    Então eu rir-me-ia alarvemente dos incêndios
    Dos dilúvios com Noé no desemprego
    Da Amazónia entregue aos brasileiros, sabeis como?
    Como uma faca-de-cozinha à mão de Édipo
    Édipo contemplando devagarinho o papá
    É um exemplo, digo isto para exemplo, não porque

    Não porque eu seja exemplar
    Mas separo o lixo, distribuo-o pelos contentores certos
    Não atiro para o chão excessos da minha matéria
    A não ser alguma escarreta mas para o mato
    Sempre dá de beber ao caracol
    & depois há a nova-religião, a da violência-doméstica
    Quão mais TV-directos, mais contágio por imitação
    É o que faz os retardados terem televisão (& fazerem televisão).

662

Alcandoro-me ao chão da terra-língua
para gozo dos meus colegas de turma
depois dos serralheiros-mestres na oficina
& até em casa para desconcerto do gato

& daqui não saio, daqui ninguém me tira.

663

Fulano acha-me malcriado
porque
lhe mostro a Língua.



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Canzoada Assaltante