© DA.
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Segunda-feira,
5 de Julho de 2021
Azulejos toponímicos indicam-me um remo(r)to bispo Dom Lucêncio como tendo existido, funcionado & coiso nos irrecuperáveis séculos VI & VII, tendo sido ele o primeiro abade do Mosteiro de Lorvão. Se este senhor – como espero – se tiver enganado, não será no Céu que esvoaça agora: nem cinzas ao vento há-de, o que ele foi, ser sequer. Ámen.
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Fevereiro é mês dito menor mas não incapaz
de grandes coisas como os demais meses
todos embora a ele maiores em jornadas totais.
Em Fevereiro nasceu Rui de Moura Belo,
facto que de pronto torna científico
o primeiro trio de versos deste poema.
Isso foi há 88 anos, 4 meses & sete dias,
ao momento em que escrevo.
Há setenta, entrou o Poeta na Faculdade de Direito (Coimbra).
Há 65, foi até Roma.
Há 60, Aquele Grande Rio Eufrates.
Há 44, Despeço-me da Terra da Alegria.
Há 43 (em Agosto próximo), despediu-se deveras.
E no entanto.
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Desaprender a lamentar custa quase tanto quanto
a deixar de fumar, beber excessivamente, andar triste.
Regulei as minhas contas turvas para com Vicente Canas.
Estamos bem agora, não (nos) lamentamos: aprendemos.
Quanto a outros espécimenes, menos remediável o caso.
Digo: cada caso, pois de pessoa a pessoa varia o melro.
Não tenho, felizmente, razão sempre – apenas sim quase sempre.
O rancor rói ratamente o grilo cardíaco, cave canem!
Vou hoje a uma consulta, digo, fazer um teste-de-esforço.
A consulta será depois, em Agosto, mês terminal de Ruy Belo.
Vou entretendo-me com estas marcações de velho.
Mas já tive vint’anos, já flori, já mandei vir.
(Agora, é ir que mando.
Sabeis bem aonde.)
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A minha literatura vive em hotéis que não posso pagar.
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A minha literatura vive em hotéis que não posso pagar,
mas tal não me desobriga de a tentar cinco-estrelas.
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Há Portugueses para quem aprender línguas estrangeiras pouco custa – excepto a Portuguesa.
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De mim tereis (alguns de Vós só, não todos) tão-só
um pétreo silêncio de inesiana morte-matada.
A V.ª pretensa superioridade ética nem vale pó.
A V.ª tensa diarreicidade óptica vale zero & nada.
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Certa autodesconsideração tem dias de tomar-me
Sacudo-a espremendo o antídoto do papel-em-branco.
Não fui para radiologista, merceeiro, cantor-de-charme
E não tendo três braços também não sou manco.
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Nas extensas filas das repartições, centros de saúde, caixas-merceeiras etc., gosto de sentir-me parecido, idêntico, comum.
Mas ovelha, não.
E carneiro, muito menos.
Antes cão. Antes cão.
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Enviei hoje mensagem.
Espero resposta afirmativa.
Cor, som, volume, imagem.
(Obrigado, Sertório Oliva.)
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Sem quaisquer veleidades predatórias, dou por mim, na fila-das-consultas-externas-do-Hospital, aproveitando a visão-consideração do, perdão, da seguinte:
Morena natural de redondezas sedosas, perfeita simetria mamária, rebordos firmes & nada pneumáticos, cabeleira nascida daquele esplendor do pardal ao sol, pèzitos sem mesura possível, cada ombro uma colina pela matina, da boca cerrada a linha sendo de si mesma verso.
Ainda bem que há tantos anos me vi penduricalhado de disfunção eréctil: há moles que vêm por bem.
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Anda tudo mascarado.
Mas: mais máscaras, menos más-caras.
Nem tudo se perde.
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Galão & queque para Clementina.
O marido quer nada, só resmunga.
Leonorita vai de tangerina.
Chega uma Ford-Transit carregada de chunga.
Já hoje murganhou, era bem cedo.
Vim vindo ’vagarinho, pressa p’ra quê?
Cada um olha, nem tudo vê.
Pod’ria ser pior, não tenhais medo.
Broa & azeitonas para Amália.
O marido quer pinga, não quer bucha.
Vai de camoesa a Alic’Eulália.
Cariada & risonha, a alvar gorducha.
Vê-se desta em vis trabalhos, o Gil.
Não contava com tal soda, pobrezito.
A mulher anda por ’í cedendo o pito.
De galhos já ele conta mais de mil.
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Camisola branca, calção laranja, meia branca com tira dupla laranj’amarela – tenho dez anos, desfilo com muitas dezenas de meus afins etários pelas ruas Doutor Manuel Rodrigues, Sofia, Praça 8 de Maio, Visconde da Luz, Ferreira Borges, Portagem, Ponte de Santa Clara, Estádio Universitário. Alegria clara como mãe-d’água.
E agora? Volto por onde? Para onde? E quando?
Devolve-se o equipamento a quem? Que é (des)feito das dezenas de meus pares?
E da minha única dezena de anos?
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Sideral poeira astral ainda somos
Sempre fomos, sempre seremos
Serenos pois seja que enfrentemos
O ’inda-a-ser no que fo(r)mos.
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Fui eu a procurar algumas – sim, mas poucas.
Outras me procuraram, acharam, desertaram.
Tudo isto, rapaziada, dá de si pouquidão.
Prefiro andar a par do boletim-meteorológico.
Taçadas de fruta, terrinadas de canja,
sacadas de pão, almoçaradas de cozido,
jantaradas de leitão, cavalhadas de gajas,
bandejadas de acepipes, rodadas de aperitivos.
Com aquela da Lourinhã, só uma – e de manhã.
Com a de Marrocos – grêlo murcho, ovos chocos.
Com a de Silves (ou Tavira?) – depressa dá, depressa tira.
Com a de Castelo Branco – mula coxa, burro manco.
Virtuosismo retórico: do espanhol Javier Marías.
Finura avinagrada: do inglês Tom Sharpe.
Domínio absoluto do fio narrativo: do norte-americano O. Henry.
Inigualável notação sensorial: do argentino Julio Cortázar.
Évora, 26 de Agosto de 1976: quinta-feira.
Mafra, 8 de Março de 1988: terça-feira.
Coimbra, 1.º de Maio de 1974: quarta-feira.
Pedrulha, 1.º de Outubro de 1970: quinta-feira.
Lisboa, 25 de Julho de 1996: quinta-feira.
Auxerre, 2 de Março de 1973: sexta-feira.
Viseu, 24 de Maio de 2008: sábado.
Louriçal, 30 de Agosto de 2019: sexta-feira.
Mas acima de tudo:
Porto, 22 de Julho de 2015:
quarta-feira,
formatura da minha Leonor.
Alternativas para pontofinalização/resposta-seca:
– Esta vez já passa uma a mais da última;
– Deveria ter-te visto o dente, mesmo dada.
– Nem mé, nem 1/3 de mé.
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Conhecer a estupidez & a maldade – é preciso.
Não coincidem forçosamente – é verdade.
Há coisas que, por mais malignas, temos de saber.
A autoprotecção implica sabedoria, não só instinto.
A maldade é, ou pode ser, perigosa.
A estupidez também – e até letal.
Vejo com frequência documentários. São de diversa índole temática, conforme a minha inclinação de momento. A criminalidade é, enquanto assunto, terrivelmente atractiva. Desnuda uma dimensão (que é exclusivamente humana, já muitas vezes Vo-lo reiterei) que fulmina qualquer pessoa-de-bem. Sublinho: pessoa-de-bem. Não suporto o vulgar (e também ele sórdido) mirone. O necrófilo, o mórbido – puta-que-o-pariu. Tenho por certo que o estudo criminológico aponta vertentes da condição-humana mais comummente disseminadas do que é tranquilo supor. Não estou a descobrir/inventar a pólvora, bem sei. Mas na vida como em papel & em filme já tenho (entre)visto muita coisa capaz de causar sideração até aos menos ingénuos.
A fotogenia dos gatos compensa de tanto horror.
E os mistérios fixes entretêm o terrível tédio:
Roanoke / Croatoan / 1590
Tunguska / 1908
Dyatlov Pass / 1959
Somerton Man / 1948
São assuntos bons como andar através da poalha pluvial. Depende muito da abordagem – e, como sempre, da parcialidade subjectiva com que abordo a informação disponível.
Recatado, perdão, resguardado em casa, viajo prodigiosamente sem içar o fofo da cadeira. É infindo o ror/rol de coisas a saber, cismar, duvidar, confirmar, suspeitar – e a, claro, poetar.
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