© DA.
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Sábado,
3 de Julho de 2021
Escrever é fazer-Vos a folha. A V. como a mim.
Ser do ser, ente do ente.
Do ente, a mente doente é demente.
Não falo por V., falo tão-só por mim.
À amásia de António alcunhámos: Antonomásia.
E à mulher dele, mortinha por ser viúva, Madame Redundante.
Ambas de estupidez populosa, tipo tamanho da Ásia,
que é um hipercontinente do poente ao levante.
Pelo-andar-da-carroça da política correcto-sexual,
não tardam aí os desportos obrigatoriamente mistos.
Por exemplo: em futebol, a selecção masculina de Portugal
continua masculina – mas só com lésbicas & apalpa-m’istos.
Domitília Florida Garrido Salústia
chegou do Brasil com jé-zúice-dêusse-ná-bôcà.
Vem alugar o côno, ofício de angústia
que a faz parecer doidjinha & lôcà.
“A melhor coisa do Brasil é ser tão longe, meu…”
– diz isto o Tomé Alemão Frazão de Maçans.
Na Fórmula-1, se rebenta um pneu,
o melhor é fugir-se pelas barbacãs.
Tomé é egotista, tem aquele -me recorrente
da conjugação-pronominal-reflexa.
É de mente côncava & de asneira convexa,
mas nem é marra-paz, é diferente.
País africano de nome marisqueiro: Camarões.
(A Gâmbia quase dava para o trocadilho.)
Fazer humor com África dá hoje sarilho,
codilho que bem passo aqui p’los colhões.
Zé-Júlio Ernesto Penadacor Daramona,
aviador de coparetes & servidor de sonetos:
então não é que lhe passa pela mona,
mesmo sem filhos ou filhas, ’inda ter netos?
O Zé-Júlio é homenzarrão, de carão bonito.
Consta que o seu marsápio não é brincadeira:
28-por-8-cabeça-de-pêssego-&-cospe-torneira,
já muito mulherio se viu com ele aflito.
(E até um rapazito…)
Escrever é folhear-Vos
etc.
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A eternidade (ou éter-idade), se calhar, existe, mas olhai: não é assunto que nos diga respeito, não-senhores.
A existir, existirá pela ubiquidade, implicando todavia esta uma velocidade humanamente inconcebível, além de, no plano humano também, fisiologicamente intolerável.
Há séria possibilidade de os electrões serem ubíquos, tal & tão doida é deles a correria orbital ao puxão magneto-gravítico do núcleo-átomo. Sim, podem os elementos ser eternos & ubíquos – deuses, portanto.
Nós, não.
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Dou-me bem com
&
dou-me bem a:
sapatos italianos
café santomense
chá moçambicano
rigor alemão
pontualidade britânica
suão africano
salero andaluz
bebedoria irlandesa
bravura vasca
teimosia catalã
doçura galega
erva-brava beirã
aurora nórdica
&
a
Língua Portuguesa.
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A minha poesia, de tão velha, fede já a mijo-de-pernas-a-baixo. De nariz suspenso sobre ela, cheiro-a sem esforço mas com repulsa. Não importa: vou seguir criando-a. sem ela, a nenhures iria ou chegaria eu – nem com molho-d’alcachofra. Sexualmente falando, ninguém tem nada que ver com esta minha realidade, a qual consiste em, no lugar da antiga grande & glande pujança, ser hoje um caso dermatológico: isto agora é só peles.
Ora, a minha poesia, a minha dermatologia
etc.
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Varia mais o sujeito do que o objecto, julgo eu, no que ao conhecimento concerne.
A idade é um factor taxativo & inclemente, no processo. É de seu natural a catedral durar mais que seu arquitecto, seus pedreiros & seu bispo. Já nem falo das ovelhas.
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Na hipermercearia, deparei-me hoje com N. & Z. Bravas sexagenárias, bonitas como bípedes rosas, muito bem-formadas, de trato fácil, firme, franco, formoso. Fui-me depois às compras por aqueles corredores, aquele fácil labirinto de artigalhada necessária. Comprei os seguintes versos:
Aveia de ver cavalos bebendo de lagoa ao entardenoitecer;
Caderno quadriculado de meu Professor Elias perfumado;
Uma sacada de pêras (daquelas boas de cozer
com açúcar-amarelo, canela & de hortelã um punhado).
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Peço-te, amor, um pouco de glicose.
De azoto ureico, já te peço nada.
’ind’ há quem co’a creatinina goze:
e até co’a alcalina fosfatase.
Tu não queiras, amor, ver-me de uratos,
dá-me sódios-potássios-cloros-cálcios.
Proteínas-totais, p’ra mim são mato(s).
(Você sofre dos pés? Então, descalce-os.)
Osmolalidade piora co’a idade.
Albumina, ó clara-d’ovo-frito.
Bilirrubina dá totalidade,
Creatina cinase faz-me aflito.
Manda-m’um mail, já não há telegramas.
Suores d’amor eu tenho dos felídeos.
Faz-me hemograma mas com leucograma.
A caminho, dá-me os triglicerídeos.
Meu tempo é já pouco, ó rosto amado!
Conta pois meu tempo protrombina.
Também meu tempo de tromboplastina
se perde parcial mas activado.
Viva o poema, viva, viva, viva!
Viva até o D. Colesterol Total!
Viva a Proteína C Reactiva!
Amor, sou o teu laboratorial.
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Ele era triste devagarinho, ensopava tabaco & queimava vinho.
Escrevo “era” porque já não é: fene’fale’ceu, felizmente para ele. Refiro-me a Jesualdo Brinca Calvo Mont’Alvo, ex-53 anos, ex-fuzileiro-naval, ex-marido da potente Eustácia Apara de Viarco-N.º2, ex-editor de folhetos pró-monárquicos – ex-tudo, enfim.
O último Jesualdo a que tivemos direito (digo-Vo-lo de coração condoíd’amarfanhado) foi o de lamentável (e lamentosa, carago, e quão lamentosa!) hipocondria. A cada momento, ei-lo de antenas aflitas ao morse da tensão & da frequência cardíaco-arterial. Dizia-se desoxigenado, vítima de conspirações pró-republicanas que visavam tão-só a sua/dele/Jesualdo eliminação de modo monóxido-carbonário. Achava-se sem gosto – mas nunca sem olfacto, atenção. Queria respirar o ar do Rei, abrir os brônquios à passagem da Rainha. Obscureceu-se-lhe a tez. Cansava-se tossindo & tossia de tão cansado. Finalmente, enfartou-se-lhe o miocárdio, deixou de lhe pupilar a EDP-neurovascularcerebral-&-coiso-&-tal. Morreu como um justo: que igual é, o morrer, ao do injusto.
Cabaz à sua calma.
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Vi o Manuel Fernando conversando
com o Manuel Luiz, cedo finado.
O Paulo, aos 27, lá foi andando
– e o Riquexó também não foi muit’atrasado.
Tenho perdido (& tenho-me perdido de) amigos de mais. Alguns deles chegaram-me mesmo a Amigos – a maiúscula sempre iça o sentido a outro patamar. You know ce que je veux decír.
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Vejo-te p’r’aí de beiças purpurinas.
Escurecem-se-te de sangue as guelras.
Menos arterial que venoso, vais às meninas,
ó venenoso urinador de relvas.
Fizeram-te estátua & tudo, mas nem caca
vales de verso falsamente pátrio.
Vou a tua casa cagar no átrio:
e já nem mulher tens, que era uma vaca.
(Mam’ó!)
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Todos os invernos frequento cursos-de-verão que me ensinam a falar sozinho & a ouvir ninguém.
Sim: a cada inverno, um curso-de-verão.
E sou sempre desaprovado com a maior distinção.
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Nenhuma mulher nua, por mais lavada, me deu jamais a sentir o frémito que me dá a andorinha riscando o penúltimo azul do entardenoitecer português.
(Está dito, está dito.)
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Cafrarias, judiarias, mourarias, lusitanarias & demais americanoporcarias – bem nas tintas me estou para elas.
O meu caminho não é étnico nem determinado pela cor do meu acne.
Porque sou culto, honesto & bem-formado, não subscrevo religião nem fedor-superstição.
A tua bondade é para mim seita.
E o teu renome é legião.
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Lauronano:
É por um bonito entardenoitecer que (finalmente) te escrevo. Faço-o – por ter falado hoje de ti a uma pessoa que te conhece & te muito estima. Com essa pessoa, ainda falas – comigo, não. Mal nenhum. Preciso é saúde-&-força-na-verga.
Falávamos – essa pessoa & eu – de tempos facultativos, id est, universitários. Arrepiou-nos a ambos o vislumbre de quão verdes eram nossos anos então (mas o grande Paredes er’ainda vivo). Tossicámos autocondoìdamente (ponho acento-grave no advérbio – contrariando embora as emendas de 1973) – para não equivocá-lo de doidamente). Fomos felizes por segundos com essa tristurinha de agora-velhos. Foi bom. Eu disse o teu nome. A pessoa lutuou-se de imediato à associação da Fernanda. Assim foi.
Essa pessoa gostamos muito de ti.
Sempre, desde Sempre,
P.I.
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Há espelho acima do urinol vertical no tasco que mais vezes frequento. A ele confiro, de cada vez, os versos que acabo de mijar, perdão, compor. Reitera-se-me também, a ele também, o enrugar galináceo da minha pescoceira. Os óculos, de já anacrónicas dioptrias, oferecem-me um olhar castanho-pardal que faz sorrir superior os de azul-joaquim-jorge-adriático. Nunca demoro muito tal namoro. Sacudo a pequena tripa exposta, derramo a cueca de irreprimível gota final, retorno à escrita. E, como no maravilhoso desenlace em discurso-directo-remate d’O Suave Milagre,
– Aqui estou.
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O Delfim empregou-se em papelaria, casou-se com a Branca, descasou-se ao cabo de a ter emprenhado três vezes (duas abortivas), deixou-a sozinha com o filho, foi à boleia para a Escandinávia numa volskwagen-pão-de-forma de hippies alemães, morreu numa sarjeta ali perto do velódromo-de-inverno onde os nazis & os colaboracionistas de Vichy ajuntaram para a morte o magote hebraico. O filho não quis saber, mas eu sei que lhe doeu – mais lhe doeu, enfim, ser de Delfim órfão em vida.
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Dassaev, Belanov, Mikhailichenko, Blokhin.
Tomaszewski, Lato, Prohaska, Krankl.
Maier, Müller, Beckenbauer, Breitner.
Stuy, Cruijff, Krol, Jongbloed.
Amancio, Juanito, Gallego, Gordillo.
Litmanen, Larssen, N’Kono, Milla.
CR7, Eusébio, Vítor Baptista, Jordão.
E Diego Armando Maradona.
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Metido em trabalhos & em camisa-de-onze-varas.
A justiça tarda a chegar, mas a chagar não.
Deixa o touro em paz, ele não te quer de caras.
Força-de-vontade – e de mijo a tesão.
569
Amadureceu já o Sábado a ponto de agora-só-se-for-por-palhinha. Está-se bem de mangas-curtas, o refresco é brisado. A vinte metros de onde escrevo, achei no chão uma nota de 50-euros-50 no dia 26 de Julho de 2017, dia para mim duplamente feliz, por razões bem cá só minhas.
Comprei este lápis nos chineses: mas a afiadeira, na Papelaria Marciano, lusa.
Preparo-me para o retorno ao seguro dormitório. Para demais coisas me preparo – mas não de mais. Há autorias que ainda não li, outras que não reli ainda. Livros que ainda não escrevivi. Gente que ainda não conheci – a par de alguma que já não reconheço.
(O Blecas, coitado, veio pedir-me um copo. Paguei-lho. Já me fizeram o mesmo – com a diferença, subtil mas grossa, de eu jamais ter pedido. Muito menos a Vós, que me leis, com o canto da beiça escarninh’encarniçado. Este Vós não é o do Leitor-Meu-de-Sempre: é o Vós de quem, cona valendo, piça muito menos.)
Tenho mais lápis & mais afiadeiras – mas uma vida só, pelo que é nela que digo o que & quanto (& a quem) tiver a dizer.
(Mam’ó!)
570
Foi este, hoje, um bom Sábado. Graças a um Amigo
(cá está a tal maiúscula – cf. 559), comprei
determinado artigo medicamentoso, a cujo postigo
espero mi’respi’rar outros anos. Foi sim bom o dia. Eu cá sei.
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