28/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 681 a 683

© The Red Hand


681

Terça-feira,
27 de Julho de 2021

    Diz-se que Liszt, na raiz de grande compositor, era exímio pianista. Acredito no que se diz. A máquina do século XXI dá-me a ver & ouvir Martha Argerich, em 2019, ressuscitando Liszt através do Concerto para Piano em Mi Bemol Maior n.º 1, S. 124 – com a Orchestra Sinfonica Nazionale della RAI sob regência de Enrico Fagone, não sei em que sala-cena. É de respeito, na tarde já alta. Fui ao contentor para depósito do lixo, a luz é muita, o calor não exagera, era para ter ido à Baixa, não fui, hoje não. Nem por isso acaba hoje o mundo, parece-me bem que não.

682

    Na situação de imobilizado-doméstico, resta-me cirandar por este meio. Já vou pisoteando chão de folhas caídas como anjos paginados, entre bétulas frescas. Erra a penetrante alfazema. A democrática estevinha, tão boa para incêndios brutais. O venenoso teixo. O patriótico carvalho. O velho castanheiro. Freixo, sobreiro, amieiro, manso pinheiro. O Sol embebeda-se todo de olores. Acompanha-me na cirandança Cecília Fulgor Filipe Ralha, que é maravilhosa no que toca à nomenclatura das coisas silvestres. Não me canso de perguntar-lhe nomes do mundo, aqui tão longe da maquinaria & do gentio automatizado. Encontramos uma leira que oferece limoeiros espontâneos, azedos, magníficos frutos nos doam que nos doem. Aves, altas como nuvens, consideram-nos presas eventuais, depois já não, seguem rondando virtual refeição. Isto não tem hora ou mês ou estação. É para sempre, se escrito. (Mas bem se sabe que os sempres humanos dão sempre em nunca mais, ora nem menos.)

683

Um gajo orquestrou a morte da mulher & do filho.
Recolheu & investiu os prémios dos seguros-de-vida(s).
Na região, um rapaz vê & estuda a Lua pelo telescópio.
Tem à disposição um saber informático que o favorece.
Duas mulheres conversam de varanda a janela.
Entretêm-se com as minúcias do dia idêntico.
Nisto, um velho, de clarividente cegueira, sabe-se terminal.
Sua derradeira extravagância: impor a terra em que inumar-se.
Ente proveniente de gente inteligente, ele é em si o derradeiro
– mas o não somos tal todos? Tal somos. Todos tal.



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Canzoada Assaltante