© Egon Schiele
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Quinta-feira,
29 de Julho de 2021
À face da atenção, o rapaz leva ambas as mãos ao próprio peito
O sol é violento a ponto de azular a cabeleira solta do rapaz
Formiga em dormência o sangue esquecido no rosto
– e o olhar dele é o do rapaz que fomos, se alguma vez
Se alguma vez nos não escapou o tempo de verdecermos
Atento o outonal precipício da sensibilidade invita
(Não confundir com invicta, que é de outra história)
Da invita sensibilidade como da parrascana manha
As mãos muito vermelhas capazes de sonetos vãos
Tempo tem o rapaz mais contado que cantante
A família é de tristes bisonhos proboscídeos ingénuos
Mas eu dele cuido, não seria agora que, não agora
Agora não desistiria eu dele, não agora, à face da atenção
O sol é azul na violenta cabeleira, sobe à face o sangue, a dormência.
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Tirando o soneto imediatamente anterior, não fiz hoje mais grande coisa. Vi pintura de Egon Schiele, que Mário Botas (justa & acertadamente) admirava. E há pouco a notícia da morte de Pedro Tamen, poeta & tradutor português que algum nome teve & fez. Mas não fui a fazer a notícia. Recebi-a em meu anonimato sossegadito. Agora é a noite – mas o sono não me tem batido a horas propícias à rotina (= rodinha) que elejo há muitos anos para consumo da casa. Pela tarde madura, bati sesta – mas a carga dos sonhos obsta a uma calma mais reparadora. Ainda por cima, sonho (é verdade) que escrevo sinopses para enredos prosaicos. Tudo se esfuma quando, bocejando boquiaberto à peixe, desperto – mole como a lama à chuva, bronco como os eleitores do Cavaco & irremediável como qualquer outro humano. Nada disto, acumulado, resulta forçosamente em mau dia. Nem por isso. Fiz de novo uma panelada de sopa, havia gelado numa das gavetas árcticas cá de casa. Chá & café. Pão novo. Pêra cozida em água-d’açúcar & pau-de-canela.
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