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Terça-feira,
6 de Julho de 2021
Há um pouco mais de meio-século, escrevia Nuno Bragança in A Noite e o Riso:
“(…) há na escrita a fúria meticulosa da subversão que recusa à Ordem falsa a própria seriedade.”
São palavras adequadas ao presente em que foram escritas, ao pretérito-recente que pretendiam obliterar & ao futuro que se fez hoje. Digo eu – mas a obra citada é muito melhor do que qualquer coisa que eu diga: sobre ela e/ou sobre outra coisa qualquer.
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Noite antiga, ígneo azeite em lamparina, Lua causticando de sua viva cal as ossadas defuntas nos ontens de séculos-por-séculos.
Casebres em que arde o magro graveto colhido do pinhal do rico, ausente em Lisboa oxalá que para sempre.
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Tive hoje notícias de certa mediocridade autobeatificada
Novas (afinal) velhas de certa mesquinhez autocanonizada.
Porque essencialmente rapaces mas covardes também
Os abutres só atacam vivo o moribundo sem autodefesa.
Sinto profunda repugnância por afins noticiários
Mas faço que desconheço & me calo, excepto em papel-lápis.
Ite, piça est.
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Não alinho com os que querem volver norma a anormalidade.
Não atino com os que querem tornar regra a excepção.
Não abençoo os que fazem ao desvio honras de lei.
Tudo recuso à “Ordem falsa” a que Nuno Bragança se referia.
Muito a sério, ó-de-Esguelhas!
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Catarina Maria Cavaleiro Aberdine
Casada com Jonas Pio Salado Bizarras
Ainda tem unhas mas não usa guitarras
Unhas poderosas, que são garras
Com ela é mauzito que se desatine.
Conheço-a de um filme super-8 de produção caseira (casa dela, não minha). A película foi impressionada em Montemor-o-Velho (Castelo & Vila), circa 1972/3. É uma besta – e não me refiro à película. Até no filme (mudo) se vê como ela soslaia o manso Jonas. Puta como as casas. Pinta de pantera-galinácea, se bem me entendeis: boa apenas para arranhar os ovos. Falo-Vos dela porque sim. Estou chateado com merdas que hoje soube a propósito de duas orcas que nem nadar sabem, coitadas. Ora, estas fizeram-me evocar aquela. As três, marca-cagalhão. Pim-pampum-pampapão.
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Nenhuma volta a dois tornaremos a dar pelo entardenoitecer.
Não veremos o fatigado encerramento de expediente & comércio.
Não voltaremos ao Pinto a tomar o derradeiro do dia tinto.
Nem nos fará sorrir o bondoso sapateiro das Rãs, velho Fabrício.
Isto de envelhecer, até por a prática, parece tornar-se ofício.
Volteio eu a sós – e não já muito, mudaram-se-me as volitivas.
Fico mais em esta casa a que por bondade me acolhem sem nojo.
Faço por pensar o menos possível em as voltas que não voltam.
A vida é em frente – dizem os positivos. Pois é – e a outra também.
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Gosto, sempre gostei, de rir-me a bom rir entre amigos que, como eu, apreciam uma piada pensada & dita com finura, temperada desse sal irónico que legitima o absurdo da condição-humana – gosto muito: mas há para aqui uns quarenta anos que me não acontece muito.
Em 2015, aconteceu. Estava eu de visita a um certo casal quando uma quarta pessoa nos tirou, aos três, uma fotografia-de-pose. Na foto, fiquei tipo Menino-Jesus: entre marido & mulher, ou seja, entre um burro & uma vaca.
(Naquele dia, a piada foi minha. E hoje volta a sê-lo.)
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Vis-a-vis-a-cara-o-rosto
Oh que barba tão mal feita
Atavio & bom-gosto
Do homem que bem s’afeita.
Já só uso o umbigo para dele sacar o cotão que se lhe incrusta. E o espelho, só para ralamente me barbear. Nem aquele nem este uso em literatura. Cada vez que escrevo eu/me/mim, é a outro que firo, perdão, confiro, perdão, refiro.
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