24/06/2010

IDEÁRIO DE COIMBRA - podografias de retorno – 8 (e) - conclusão


Noite, portanto. Impessoal mas saturada de humanidade como de açúcar um leite de peito, a Noite permita, a quem muito andou, voar um pouco. As minhas asas, para este serão, são de papel, como quase sempre. É papel impresso em 1983, desta vez. Deu-o à luz a portuense Paisagem Editora. Coimbra – Arte e História – Os Monumentos é obra do Professor Pedro Dias. É coisa científica que relanceia a tinta a muita pedra humanizada (e divinizada – e divinizada) desta Cidade. Abandono por momentos o Macau e a China de Camilo Pessanha e esvoaço, lápis na asa direita, a terra mesma onde o mesmo Camilo nasceu a 7 de Setembro de 1867 (Sé Nova). Voemos pois, com Dias, alguns séculos da Coimbra Monumental. Há uma Nossa Senhora no Museu Machado de Castro (antigo Paço Episcopal). É de aproximadamente 1330 e de Mestre Pêro. Parece cega, a Senhora, talvez o seja – mas há séculos que é vista: de quantos de nós se dirá o mesmo um dia de outro século? Parece que Recaredo, Liuva, Sisebuto e Chintila, obscuros monarcas que o Tempo esboroou (como a tudo e todos acaba fazendo) por aqui cunharam moeda. Certo é que o ocaso da II Guerra Mundial na Europa rebaptizou como de 8 de Maio a Praça que era de Sansão, onde o Mosteiro de Santa Cruz. E que a Porta Férrea da Universidade foi planeada por um António Tavares e executada, em 1634, por um Isidro Manuel. Ficou a pedra, foram-se as mãos que a mudaram. Com maiúsculas ou minúsculas, mui belas e urgentes são a Fortaleza (ou a fortaleza) e a Justiça (ou a justiça). Também são: alegorias estatuárias esculpidas pelo francês Claude Laprade nos alvores do século XVIII. Fortaleza e Justiça lá estão ainda (ao menos em pedra, ao menos por alegoria) na Via Latina do Palácio Reitoral da Universidade. A besta do D. João III assombra em calhau as cercanias da Casa da Livraria Antiga da Universidade. É obra de mestre Francisco Franco, cujo nome li pela vez prima certa vez que passeei pelo Parque de D. Carlos (I e último), nas Caldas da Rainha: há por lá obra(s) dele. Pena o mestre escultor ser do mesmo nome que o duende sanguinário que garrotou a Espanha vizinha durante trinta e seis longos anos. Adiante, porém. Fazem pena as muitas igrejas fechadas e/ou degradadas (e vários museus) de uma Cidade que se diz do Conhecimento. Nunca entrei no Colégio de S. Jerónimo. Nem no Real Colégio das Artes. Nem no Museu de História Natural. Nem no Laboratório Químico. Nem na Igreja de S. João de Almedina. Mas, filho e irmão de artistas cerâmicos, fico a saber que no século XVIII uma fábrica houve de Brioso. E que um André Gonçalves pintou barrocamente. E que a seiscentista Oficina de Bruges para cá mandou tapeçaria de sua lavra. Esplendor e resplendor fechados na sombra: que pena. Se a Nossa Senhora de Mestre Pêro é de circa 1330, de cerca de duzentos anos ulteriores é a Exaltação da Cruz de Cristóvão de Figueiredo. Já do início do século seguinte a esta pintura, o de número XVII, é o portal maneirista que, havendo pertencido ao Convento de Sant’Ana, se fachou por fora do Museu Machado de Castro. De antes, de muito antes, é a Igreja de S. Salvador (também nesta nunca entrei). Data-a Pedro Dias da segunda metade do século XII, coeva portanto da ex-librista Sé Velha. Adentro ela, Cristo, triunfal, entra para sempre, posto que em azulejo de Setecentos, em Jerusalém. João de Ruão, nome de rua hoje ainda, foi o mestre que por cá muitas deixáveis e permanecentes obras de vulto quis e pôde e fez. Exemplo de tal é o retábulo da Capela dos Velez na mesma de S. Salvador. A actual Faculdade de Farmácia foi, antes de o ser, a Casa dos Melos. Não sabia, fiquei a saber: é da primeira metade de XVI. Escaqueirada por fora (e decerto não muito sã já por dentro, por desocupada) é a Igreja do Colégio da Santíssima Trindade. Também nunca lá matraqueei as solas. Igreja e Colégio de Santo António da Pedreira? Pois. Vou (e voo) pelo livro do Prof. Dias:



“(…) fica na encosta da Universidade, virado a Sul, entre os colégios da Santíssima Trindade e de Santa Rita, no lugar donde em épocas históricas se extraía a pedra para as construções citadinas. Pertenceu à Província de Santo António da Observância, tendo sido fundado em 1602 (…)”


(Dias, op. cit., pp. 81-82)


Do século XVIII é o Colégio de Santa Rita (ou dos Grilos). Dos Grilos porquê?

“(…) dado que os religiosos que o ocuparam pertenciam à Ordem dos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, chamado pelo povo padres grilos (…)”


(ibidem, pág. 85)


Ora toma. Fundado em 1755, ano do Grande Terramoto de Lisboa. Da Sé Velha, enfim, teve primeira pedra em 1162, abrindo-se ao culto regular vinte e dois anos depois. Tem História a dar com um pau. Ou pedra. O bispo D. Tibúrcio dorme lá dentro. O claustro, iniciado em 1218, diz-nos o Professor que é “a primeira obra gótica da região” (pág. 90). O medalhão da Porta Especiosa da velha Sé (também) é obra de mestre João de Ruão (circa 1530, também). É belíssimo e ultra-palavras o retábulo da Capela-Mor da Sé Velha: obra de dois artistas também mores – Olivier de Gand e Jean d’Ypres (primícias do século XVI). De cortar o bafo é, não menos, o retábulo da Capela do Santíssimo Sacramento da mesma Sé. “É a mais importante obra deste género de quantas existem em Portugal.” – garantia de Pedro Dias. Encomendou-a o bispo D. João Soares (salvo seja). Autor: João de Ruão, sempre. Colégio de Santo Agostinho? Também nunca o pude podografar. Plano do arquitecto italiano Filipe Terzi (1589). E então a nota pinga-nostalgia: a Torre do Anto. Anto(nio) Nobre e a Torre estão indissociavelmente fundidos, embora o Poeta a tenha habitado por escassíssimo período. Era um antigo elemento da muralha medieval de Coimbra. Desce-se e dá-se rosto à Casa de Sub-Ripas. Dois elementos a perfazem: a Casa de Cima (ou do Arco) e a Casa de Baixo (ou da Torre). Fico a saber, mais abaixo ainda, que o Hotel Astória e o Banco de Portugal são projectos de um senhor chamado Adães Bermudes.
E agora tenho os olhos (e as asas) fatigados. Ficamos hoje por esta mesma página 105. Voltaremos a voar com Pedro Dias. (E não, não me esqueci de  que o outro voo pelo ano de 1961, ao lombo d’O Ponney, também está por concluir. ’tá prometido, será cumprido. Boas-noites!)




Sem comentários:

Canzoada Assaltante