14/06/2010

IDEÁRIO DE COIMBRA - podografias de retorno – 7




7. UM DOMINGO MENOS MAU



Coimbra, domingo, 6 de Junho de 2010



Saído do Nosso já depois da uma da manhã, levei no bornal o Mário Ventura (Quarto Crescente) todo lido. Em casa, isto é, no quarto, estirei-me com o G.K. Chesterton de A Inocência do Padre Brown. O sono veio, a noite alastrou pelas abcissas da mente, acordei cedo e retemperado. O sacana do abcesso, porém, resiste ainda às investidas da amoxicilina com ácido clavulânico e da nimesulida, raios mo partam. De qualquer maneira, fim da manhã lendo o excelente José Rodrigues Miguéis que este paíseco não mereceu nem merece. O volume dele chama-se Comércio com o Inimigo e Outros Contos, que a Inova publicou em Julho de 1973.
Hoje à tarde, finalmente, hei-de cirandar pelo cemitério de Santo António dos Olivais em demanda de mestre Vitorino Nemésio. Para já, já já, no entanto, a finura e a fineza de Miguéis.


A clara vocação de Junho para a claridade tem sido, ontem e hoje, algo contrariada por uma espécie de gaze acartonada que, difusa e difusora, resulta numa luminescência algo severa e alvacenta seu quanto, seu tanto evanescente.

Nisto, a tarde.
Rua Almirante Gago Coutinho (a 7 do Julho que aí vem, faz oitenta e oito anos a célebre viagem aérea que ele fez, com Sacadura Cabral, entre Portugal e o Brasil); subir o Cidral, tomar a meio uma chávena de café, fumar um cigarro à sombra, tomar os comprimidos contra o abcesso (dias e horas difíceis, com a boca assim); Rua Teixeira de Carvalho (arqueólogo e crítico de arte – sécs. XIX e XX); uma paz solar de aldeia entorpece a Coimbra dominical; Rua Bernardim Ribeiro (poeta que foi dos séculos XV e XVI; Rua João Pinto Ribeiro (jurisconsulto e conjurado de 1640); certos prédios apalaçados (e abandonados) sobem na cor da tarde à maneira de Hopper; chego finalmente ao cabo da Avenida Dias da Silva (professor que foi da Universidade local – 1856-1910) e estou nos Olivais.
A Rua da Mãozinha é muito perto do antigo terreiro onde se faz(ia) a Feira do Espírito Santo. E há tendas, hoje. Ali está uma de louça de barro vermelho. Além do estendal de barracas da feira, a Igreja e o Cemitério de Santo António dos Olivais. O Campo-Santo foi “Offª do Bemfeitor José Cannas Júnior – 1898”. Mas azar: “Horário Dias Úteis 8 às 17 Hªs. Domingos e Feriados 8 às 13 Hªs.” Vim e não entro, não hoje, mas voltarei, mestre Nemésio.
Rua José Alberto dos Reis (um professor universitário mais – 1875-1955); Rua Flávio Rodrigues (guitarrista – 1902-1950); Escola Eugénio de Castro (onde em 1974, eu, enfim; e onde as flores no portão para o Jorge, em 1986, enfim); e chegada ao quarto-casa, para agasalho cenáculo, na Gago Coutinho, à Solum.


Tem sido um bom domingo, na companhia de Rodrigues Miguéis à luz de Junho (que a tarde abriu mais). Preparo-me agora, chá de limão à mão, para retroviajar quase quarenta e nove anos. Ponto de partida & chegada, O Nosso Café, ao Calhabé. A Máquina do Tempo que me veiculará: o nº 536 (ano XXXII), de Outubro de 1961, da publicação humorística (ou bem-humorada) e coimbrã O Ponney. Fundado por um (claro, pois que em Coimbra…) dr. chamado Castelão de Almeida, O Ponney coloria como podia esses anos cinzentos. O mesmo ano de 1961 do meu exemplar foi o da alba da guerra colonial, que Angola despertou. Mas o chá arrefece. Voltarei em 1961, pois.


Que o velho Ponney, feliz,
Rei do riso e da chalaça,
Conta sempre a mesma idade,
Por muitos anos que faça.

(da capa)


O futuro começou em 1961 no Largo das Ameias, 11-14. O futuro era o CONSUL 315, com 2 e 4 portas. O berço do futuro foi a AUTO GARAGEM DE COIMBRA, LDA.
(da contracapa)


Mas o futuro do futuro remete para 1929, ano em que alguns estudantes vinófilos atabernados na Cidade Alta decidiram combater a decadência da Academia, cujos fautores eram, para eles, os lingrinhas que bebiam chá e debicavam pastéis e biscoitos na Central, lá para a Baixa: os Ponneys da Central. Mais informa O Ponney de 1961 que os Ponneys da Central equivaliam, em figurino e pose, aos pipis da tabela de primícias da década de 60/XX, até pela brilhantina que lhes lustrava e escorria o risco ao lado. O Papá e o Padrinho do primeiro Ponney foram Castelão de Almeida (de Direito, pseudónimo editorial Tricástlis) e Henrique Mota (alcunhado Pantaleão, de Medicina).
Quando Castelão (finalmente) se formou, incumbiu-se da direcção Fausto “do Janeiro” Marques (pág. 4). Em 1961, O Ponney era dirigido por Octávio Chau Afonso, sendo editor o tal Fausto e chefe da redacção A. Durão Pereira. Redacção e administração eram na Praça da Índia Portuguesa, 4. Compunha-o e imprimia-o a Tipografia Rainha Santa, sita na Avenida Sá da Bandeira, 12-16.
Voltarei/emos aO Ponney nº 536. Por ora, fecho-me nos contos de Miguéis até que a vista me doa.

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Canzoada Assaltante