12/06/2010

IDEÁRIO DE COIMBRA - podografias de retorno – 3


3. POMBAL, IDA E VOLTA



Coimbra e Pombal, 2 de Junho de 2010

O dia da expedição a Pombal começa às 05h33m, hora a que acordo para me resgatar de sonhos maus. Transpiração fria sob mantas atabafantes. Fumo um cigarro à varanda, acendo o candeeiro, prossigo na intimidade do Casal de Windsor, WE (Wallis/Edward). Antes das sete, evacuação, barba e banho. Uma chávena de café-com-leite em pastelaria igual a todas. A pé até ao Nosso, no Calhabé – mais Windsor e mais café-com-leite. Às 08h52m arranco pela do Brasil até à Estação Nova. Um pouco antes do Jardim-Escola do Roseiral, topo o meu irmão Fernando subindo a pé pelo passeio oposto. Sinalizamo-nos, vamos tomar um café. Falamos, ele vai à Carlos Seixas. Generoso e triste, como muito poucos. Separamo-nos. Eu encontrara no chão uma fatia de pão. Trouxe-a, dou-a agora a um belo melro do Parque. No degrau do limiar de Coimbra-A, visão de uma gota de sangue ainda fresca: nítida, rútila, humana, ilegível. Comboio regional 4508 às 10h25m, preço do bilhete 3,30 euros.

Pombal, trabalho burocrático cumprido. No Pic-Nic do Armindo, à Rua Amílcar de Sousa, fazendo horas para o regional das 18h42m. Vã esperança de o amigo Evaristo dentista me devolver a chamada a tempo de me libertar deste canino irremissível como um erro. Chorões bonitos, frondosos, mesmo em frente. Estou a cinquenta páginas do fim da história íntima dos WE Windsor, Wallis/Edward. Grande história na História, esta. (A degradação dos dentes tem a ver com a da vida que se levou/leva?)
(Mulherecas bradando moralidades na mesa ao lado: “Peixeiradas na rua, detesto!” – tautologia redundantíssimo-pleonástica, pois que “peixeiradas”, só na rua; em casa, são “carnificinas”.)
Regresso a Coimbra-B no regional, afinal, das 19h46m (atraso de cinco minutos). Paragens para a minha História (além de outras paragens menos viárias mas por igual férreas): Pelariga, Simões, Soure, Vila Nova de Anços, Alfarelos etc.
Fome. Ou apetite, que é diferente. Um saco carregado de roupa e calçado, uma pasta com o computador, outra com cadernos, a de tiracolo com as miudezas do costume: lápis, afiadeiras, papéis cuja demora conserva a insensatez da retenção – e mais etc.
Formoselha-Santo Varão, claro. Ainda é de dia, abençoada claridade longa de Junho. Pereira do Campo. Ameal. Largos, aquíferos, verdes, orizícolas campos do meu Mondego. Luzem como água de olhos verdes. E quão nenhum desespero remordem no entardenoitecer. Vila Pouca do Campo. Deflagram a hirsuta nogueira, o comovido pessegueiro, a parra que imita a mão aberta, o choupo guitarrista – e Taveiro, Espadaneira. Para sul, eis o regional ’té Entroncamento. Céu de cobalto alto e lavado, bonito (não pára em Bencanta, este).
E Coimbra-B, vê.

2 comentários:

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Tudo tão magnificamente familiar: o espaço, o olhar sobre o espaço, a cúmplice idade sábia, a poesia cesária, ruybela, pina, danielina. Viaja-se em 1.ª classe por estes teus textos, Amigo. Boa viagem para quem lê, vê.
Abraço!
QJ

PS: Voltaste para Coimbra?

Daniel Abrunheiro disse...

Voltei, Amigo: ecce canis conimbrigensis.

Canzoada Assaltante