27/02/2009

De um Quintal Dentro - um exercício audiopsicográfico

Souto, Casa, início da tarde 27 de Fevereiro de 2009

De um quintal perto, como audiogramas, chega o bradar manso de duas mulheres que envelhecem sem homens enquanto amanham cada uma sua horta.
Os joaquins delas já morreram, elas pagaram os enterros, os filhos afrancesaram-se na construção civil, vêm em agosto quando vêm.
Pela pátria, o fevereiro final é uma vela alta (de luz e de barco), já o vespertino sol do marçagão limpa os pés ao tapete.
Chilruscam semínimas os passaritos contentes, gárrulas as aves como ínclito o cedro – e viver é egrégio na justaposição de se não morrer ainda.

Ao cabeço do monte em frente acorrem duas ovelhas e duas vacas.
Pensam as quatro o chão esmeraldamente com as bocas.
A carrinha do peixeiro passa exaurida e saciada, não deve ter corrido mal a venda ambulante da manhã, até porque sexta-feira é ’inda dia só de peixe para muito boa gente temente e tenente “da persuasão íntima, do deleite e do misticismo”, como escreveu em 1941 um senhor de Mirandela chamado Manuel António Ribeiro (1-Maio-1883/6-Fevereiro-1949).

Olhos cerrados, não extinta ainda a vigília, reboo por dentro à matrícula auditiva da tarde e do mundo.
Não tenho frio nem sinto fome.
Vou para pensar – mas depois (agora) já não.

3 comentários:

LM,paris disse...

Amigo daniel,
sublime, fiquei a ler e a reler parecia que estava eu a vê-las, as duas, com os joaquins perdidos.
Daniel, é lindo, ninguém nunca escreveu, escreve ou escreverà como tu, dos ùnicos és tu le seul.
beijinhos,
lidia
LM

Daniel Abrunheiro disse...

Matas-me com mimos, é o que é. Merci.

José Antunes Ribeiro disse...

Lidia, Daniel!

Assino por baixo e volto a dizer que o Daniel é um nome maior das letras em português. Quem quiser...leia!

Um grande abraço para o Daniel e para a minha amiga Lidia.

Canzoada Assaltante